Tudo o que Amelie conseguia pensar era em vingança. Estava tão insana e fora de controle quanto Flint, talvez estivesse até pior, pois não precisava liderar uma tripulação inteira, então deixava sua parte sanguinária e descontrolada a vista de todos à sua volta, teve até que se afastar de Tristan nos dias seguintes, sequer foi vê-lo pela última vez, tudo em sua cabeça era vingança, seu peito queimava de ódio e antecipação implorando para que ela destruísse todos os soldados possíveis, mesmo que isto fosse trazer sua própria ruína e consequentemente sua morte. Claro que se importava em como Keith iria ficar se ela morresse, se algo acontecesse com ela, por menor que fosse... Mas não conseguia pensar claramente enquanto tudo dentro de si se tornava um furacão.

Seus dedos já coçavam para tirar suas espadas enquanto esperava o ataque inicial, estava totalmente impaciente, queria matar impiedosamente qualquer um que se colocasse em seu caminho, mas não o homem que amava, não ali no meio do mato, então tentou se controlar quando ele se dirigiu à ela e a beijou. Amelie logo tratou de cobrir o rosto novamente, não queria ser reconhecida, ao menos não antes de adentrar o local.

— Eu vou voltar, eu prometo. — Tentou esboçar um sorriso, tentou fazer seus olhos serem mais gentis, porém sentia que tudo o que demonstrava eram as coisas ruins que estavam acumuladas em seu peito. Se era um animal descontrolado em ataques regulares, agora era uma fera.

Uma fera que não pensava, que não calculava, que não considerava nada. Tentava se manter consciente, mas quando as bombas explodiram foi difícil. Amelie estava tão apressada que não esperou os portões abrirem, simplesmente jogou a corda para o alto e começou a escalar, era péssima escalando, mas precisava ser firme, embora fosse difícil por conta da força que agora não era tanta quanto antes por conta do peso que perdeu. Sequer esperou pularem antes, foi uma das primeiras a pisar dentro do lugar, que estava cheio que fumaça nublando a visão. Deu um passo e percebeu que havia pisado em algo, talvez parte de um corpo. Conseguia ouvir os pulos pesados de outros piratas no chão atrás de si. Puxou suas damas como uma sanguinária leoa buscando sua presa no meio daquela espessa e cinza textura.

Continuou andando devagar com os dedos pressionando as espadas com força, até que ouviu algo se aproximando, vindo pela frente. E mais passos à direita, apressados e desesperados, então o portão foi aberto e sua mente inundada por espadas se chocando, gemidos de dor, corpos caindo ao chão. Ouviu a voz de Flint atrás de si, mas isto não a parou por nenhum momento. Quando o vento frio de outono fez a fumaça dissipar por um momento, ela pôde ver um homem à sua frente e foi quando começou.

Não iria parar até o último verme cair. O homem a viu e logo tirou a espada da bainha, seus olhos ciano focaram enquanto as pupilas dilataram e ela deu a primeira investida, que acertou diretamente no abdomen do mesmo, girando a espada dentro dele com um grito de fúria. Estava tão furiosa que não via o perigo, seus instintos de sobrevivência foram substituídos por puro ódio.

Sabia que só iria parar quando acabasse ou quando morresse. Deixou o corpo cair no chão, já buscando outro a quem pudesse ferir, até que viu uma quantidade relativamente grande de homens vindo em sua direção. Não em sua direção literalmente, estava de costas para o portão por onde os piratas entravam, então não era uma posição muito agradável de se estar quando vários deles vinham ao mesmo tempo. Desviou de um golpe que iria acertá-la diretamente e em seguida da espada de outro homem, se abaixando e reestabelecendo a postura com a lâmina de uma das espadas que perfurou-o no pescoço, subindo até seu maxilar e se aprofundando dentro de seu crânio. O peso do corpo fez seu braço doer, então tirou rapidamente a espada dele, deixando sucumbir ao chão, virando-se para o anterior, que iria atacá-la, mas caiu ao chão de súbito com um tiro na cabeça. Amelie olhou para fora, para as árvores, Keith estava lá em algum lugar, mas o que aconteceria quando ele não pudesse mais vê-la? Estava determinada a matar todos ali, mesmo que tivesse que ir até os confins daquele lugar para encontrá-los.

Naquele ponto já haviam percebido que não eram apenas os piratas no solo que deveriam ser massacrados, os tiros invisíveis vindo da floresta derrubavam sem hesitação e apesar da escuridão que abraçava Gilnas, principalmente na área ao redor do forte, Amelie pôde ver três homens recuando para dentro. Cerrou os olhos por alguns segundos, logo sua mente fez a conexão.

— Keenan! — Virou-se para trás fazendo sinal com a cabeça para dentro do local. Tudo bem, era arriscado entrar em um lugar como aquele sem nenhum tipo de conhecimento sobre tal e sem ninguém para dar cobertura, mas Amelie não era conhecida por tomar decisões razoáveis, principalmente quando estava com raiva.

Sem pensar duas vezes começou a abrir caminho, o mais rápido que pôde, se afastando do centro do ataque onde corpos caíam ao chão e homens gritavam de dor, até conseguir chegar na porta de madeira que estranhamente não se encontrava trancada. Retirou o lenço que cobria sua cabeça, expondo os cabelos ruivos, já estavam tão longos que deslizavam até a cintura. Pensou que precisava cortar alguns centímetros depois, poderia atrapalhar. Talvez a ansiedade e antecipação tenham destruído sua razão e por conta disso não havia cortado antes, mas agora se arrependia amargamente. Talvez fosse se arrepender por ter entrado ali também, mas sabia que logo mais piratas iriam vir.

Dentro era ainda mais escuro do que fora, as lamparinas com velas mal iluminavam uma parede, o chão era lamacento de início e haviam múltiplas escadas levando a lugares diferentes, como um puzzle. Precisava pensar rápido antes de levar um tiro ou coisa parecida. Decidiu subir pela segunda, que era em formato de espiral, feita de pedra, assim como as escadas da masmorra em que ficou. Isso não ajudava nem um pouco, sentiu uma angústia enorme apertando seu peito e o rosto esquentar, ameaçando deixar cair lágrimas, mas segurou o choro teimoso de memórias dolorosas e usou a mesma força da angústia para segurar as espadas pelos cabos enquanto começava a subir.

Era tão escuro que tinha medo de cair ou tropeçar, seus passos na escada eram bem calculados, até que viu a silhueta de um homem um pouco mais alto que ela alguns degraus acima. Novamente, haviam lamparinas pelas paredes, mas iluminavam muito mal naquela parte do percurso e teve que confiar em seus próprios instintos. Continuou subindo cuidadosamente sem tirar os olhos gatunos da silhueta negra acima, mas parou de súbito assim que ele a viu também e começou a descer com rapidez, como se conhecesse todas as partes daquela escada e não fosse difícil. Isso fez Amelie engolir em seco, claro que ele conhecia o lugar e já estava familiarizado, seria como ela e o navio a qual pertencia. Assim que o homem chegou perto o suficiente, a lâmina de sua espada cortou o ar, fazendo Amelie dar um passo para trás e quase cair, se recompondo ao se segurar na parede. Decidiu investir contra ele também, mas uma espada apenas perdeu o alcance, enquanto a outra cortou a barriga do homem, fazendo ele grunhir de dor no escuro. Aproveitou e avançou em cima dele, derrubando-o no chão e cravando as duas espadas em seu peito, puxando com ferocidade e sem cerimônias assim que sentiu o corpo dele amolecer.

Levantou-se sem perder tempo e continuou subindo, agora de maneira mais frenética, até encontrar um corredor, onde no final, um deles portava uma arma longa e começava a mirar nas árvores. Claro que ele não estava caçando pássaros. Este já era mais iluminado, então conseguia ver com mais clareza o caminho, que começou a encurtar andando rápido, o que fez com que o homem percebesse e virasse em sua direção. Amelie não parou, continuou praticamente correndo com um olhar fuzilante até que ouviu o barulho do disparo e sentiu o impacto. Segurou-se na parede esquerda do corredor e levou a mão até a barriga, estranhamente não sentia dor embora pudesse ver alguns filetes de sangue na roupa, era como se o ódio e a adrenalina mascarassem seus sentidos. Ao menos fazia as coisas serem mais fáceis.

Com a mão agora suja do próprio sangue e do sangue inimigo, segurava as espadas com determinação, vendo que faltava apenas alguns metros de distância entre ela e o maldito vigilante. Ele tentava recarregar a arma quando a pirata lhe deu um chute entre as pernas, fazendo ele largar a arma e se contorcer de dor no chão. Quando ia desferir um ataque, outro vigilante surgiu por trás, a puxando pelo pescoço e empunhando sua espada. Amelie precisava ser mais rápida, precisava pensar rápido. Mordeu o braço do mesmo como um animal contaminado por raiva, completamente feroz e insana até sentir o aperto diminuir enquanto ele gritava de dor. O outro homem já se levantava e ela apenas cuspiu o pedaço da carne do segundo antes de avançar sobre o primeiro.

— As lâminas! Tire as lâminas dela! — O segundo gritou para o primeiro, que parecia confuso e tudo o que fez foi começar a empurrar Amelie com a arma, tentando mantê-la longe.

Ao chegarem nas escadas novamente, ele tirou a arma de perto dela e tentou atacá-la com o cabo, mas Amelie desviou para o lado e enfiou a espada no torso do homem, sem saber exatamente onde havia acertado. Ele recuou dois passos e quando ia avançar nele novamente, o segundo apareceu com a espada, começando a investir contra ela, que começou a recuar e recuar os passos, no escuro, até que pisou em falso na escada e perdeu o equilíbrio, caindo para trás. Por sorte, ou talvez azar, uma parede protegia o lado direito da escadaria e enquanto tentava se segurar, caindo miseravelmente, bateu a cabeça várias vezes, até que obteve sucesso depois de várias giradas e conseguiu parar, mas nesse ponto sua cabeça já sangrava, havia soltado uma espada e o ódio queimava em seu peito como uma fogueira em chamas.

Sua cabeça doía por bater várias vezes e tudo o que conseguia ver naquele escuro era fruto de uma visão turva, enquanto Keenan derrubava os dois vigilantes, Amelie se permitiu cair no chão completamente, grunhindo baixo rabugenta quando sentiu o impacto da cabeça na pedra. Se sentia estúpida novamente, como sempre acontecia ao fazer coisas impulsivas. Que outras coisas ela havia causado com uma simples escolha? Agora Keenan estava bem do seu lado enquanto tudo o que ela queria era cavar um buraco no chão e se enfiar dentro para sempre.

— Eu levei um tiro, imbecil! Como eu vou parar de sangrar do nada?! — Bufou pegando a espada com pressa. Ainda não conseguia sentir a dor do tiro, sentia adrenalina demais para sentir qualquer coisa.

Sem falar nada, começou a subir novamente, pegando a outra espada sem dificuldades e indo para o mesmo corredor de onde havia caído vergonhosamente, correndo até a janela e olhando para fora. Tudo o que cercava o forte eram florestas, árvores, mato. Para piorar estava tudo escuro. Amelie passou a mão pelo rosto, nervosa e sentiu algo molhado, foi quando lembrou que sua mão estava suja de sangue, então suspirou. De repente ouviu um tiro acima, virou-se para Keenan de olhos arregalados e ajustou as espadas nas mãos, correndo de volta para a escada e começando a subir novamente, circulando a espiral e chegando no andar superior.

Não conseguiu não fazer barulho, então assim que surgiu, um tiro foi disparado contra ela mais uma vez, mas Amelie estava perto o suficiente para virar para a parede e se esconder atrás, então apenas passou de raspão pela parede de pedra. Espiou por alguns segundos antes de tentar novamente, ao menos agora a atenção do vigilante estava sobre ela. Ele começou a tentar recarregar a arma enquanto ela se aproximava, mas não deu tempo, a pirata enfiou a espada direita no pescoço do homem, assistindo o sangue vazar no chão, sentindo os pingos no próprio rosto enquanto ele tentava segurar o pescoço, falhando miseravelmente.

Assim que o corpo caiu, Amelie virou-se para a escada novamente e continuou subindo, se apoiando na parede quando achava que ia pisar em falso novamente.

De súbito surgiu uma silhueta na escada e ela viu o formato de uma arma de fogo tomando forma na escuridão, estava muito perto para desviar, então fechou os olhos por alguns segundos esperando o impacto, mas nada aconteceu. Ao abri-los novamente, havia apenas a fumaça saindo. Por pura sorte a arma havia falhado e Amelie aproveitou a surpresa do homem para desferir um golpe de duas espadas diretamente contra ele. Voltou a subir a escada, deixando o corpo rolar pela escadaria enquanto procurava mais deles por ali. Ouviu outro tiro e apressou o passo, desta vez sendo esperta o suficiente para se esconder atrás da parede antes de checar se havia uma arma apontada para ela.

— KEENAN SEU BOSTA, SOBE ESSA MERDA LOGO, VAI FICAR RODOPIANDO POR AÍ?! — Gritou para a escuridão, provavelmente chamando atenção de outros vigilantes. Mas agora era tarde demais para pensar.

Amelie nunca iria se acostumar com as palavras estranhas que Keenan dizia antes de um ataque, parecia algo de outro mundo. Se perguntava que tipo de coisas estranhas ele sabia além das que já havia comentado, mas parecia que teria que deixar isso para outro dia porque ele simplesmente havia acabado de levar uma martelada e agora estava fudido dentro de uma parede. Ao menos era assim que ela via a situação, com estas palavras. Antes de fazer qualquer coisa, reconheceu a figura de Keith de súbito, enquanto assistia ele arrancar um braço e matar um homem sem nenhuma dificuldade. Era estranho ser humana e ter que lidar com esse tipo de coisa, nunca iria se acostumar com aquilo também, porque assim que ele chegou perto, Amelie se encolheu para trás como se todos os instintos de sobrevivência que tinha entrassem em desespero completo ao ver aquela criatura tão perto. Deu dois passos para trás e acabou batendo as costas na parede, de cenho franzido e os olhos confusos.

— Oi... — Não conseguia dizer muita coisa, embora parecesse que ele entenderia qualquer coisa que falasse.

Sempre sentia um medo imenso quando via ele daquele jeito e dessa vez não era diferente. Engoliu em seco, ajustando a postura e tentou fazer sinal com a cabeça para ele subir com ela, não sabia se iria entender.

— Eu tô bem, foi só um tiro, Elliot tira depois... — Tentou acalmar a situação. — Nem tô sentindo dor. — Deu de ombros como se não fosse nada e depois levou a atenção para escada.

Era difícil enxergar os degraus, sentia que iria cair a qualquer momento, então tentava se apoiar nas paredes para não sair rolando escada abaixo de novo. Assim que chegou até Keenan, estendeu a mão para ajudá-lo a levantar, embora ele fosse muito grande e ela estivesse sem comer direito por um tempo. Assim que o pirata estava de pé e puderam continuar, Amelie tomou a liderança e foi na frente, subindo o mais rápido que pôde. Precisava se certificar de que Keith não iria entrar em um corredor e ser cumprimentado com uma bala no coração, mas talvez fosse uma ideia estúpida porque assim que entrou em um corredor, teve que recuar, assistindo a bala que iria ser nela se cravar na parede da escadaria. Amelie suspirou e tentou novamente, desta vez o corredor estava mais cheio, pelo menos uns cinco vigilantes estavam ali, parecia que quanto mais subiam, mais apareciam.

Parou de súbito quando olhou com mais nitidez para um deles, que agora carregava uma cicatriz imensa no rosto e esboçava um sorriso vingativo, mas a pirata simplesmente paralisou e tudo o que queria era sair correndo daquele lugar. Antes que pudesse recuar, o homem puxou a espada e avançou contra ela, cheio de ódio. Parecia que ambos nutriam um ódio doentio e agora haviam explodido. Tentou segurar a espada com suas próprias, mas a força dele era bem maior que a sua e derrubou uma delas, fazendo Amelie recuar para trás, apenas para ser derrubada no chão sem muitas dificuldades. O fato de estar desnorteada não ajudava.

— É como dizem, vaso ruim não se quebra... — Tentou dizer, mas foi interrompida com um soco no rosto que apenas piorou sua situação.

Parecia que os outros não se atreviam a interromper o que quer que estivesse acontecendo, nem mesmo ela entendia. Um deles coçava a cabeça, confuso. O homem ia socá-la novamente quando Amelie segurou o cabo da espada com toda a força que conseguiu e enfiou a lâmina bem no meio das pernas dele, assistindo-o cair no chão gemendo de dor. Iria deixar aquele para depois, virou-se para os outros que assistiam a situação, havia acontecido rápido demais para acompanhar nitidamente. Pegou a outra espada que havia caído e se levantou, para se proteger contra um ataque de imediato, chocando suas espadas contra a espada de um deles. Desta vez, parecia que todos estavam dispostos a entrar na briga sem pensar duas vezes, porque antes que pudesse sequer pensar no seu próximo movimento, uma das lâminas fez um corte profundo em seu braço, tão forte que rasgou o pobre sobretudo por centímetros depois de cortar a carne.