{RP FECHADA} Sunrise

A tripulação havia acabado de chegar de uma incursão bem sucedida onde tiveram muitas pilhagens e bastante Kham, estavam muito animados depois da incursão, tanto que estavam fazendo uma festa no convés, com bastante bebida e mulheres. Não era preciso música, pois todos ali faziam barulho suficiente para que nenhuma música fosse ouvida caso tivesse, e ninguém iria se atrever a entrar no blackmore pra tocar um instrumento, tinham medo demais para isso. Entretanto a tripulação parecia não se importar com a falta de música, estavam animados demais em seus próprios afazeres. Amelie e Keith não puderam ir para tal incursão por ainda estarem se recuperando do ataque que sofreram aquele dia no mercado, não poderiam lutar da forma que estavam, era a primeira vez que Amelie faltava uma incursão, o que a deixou nervosa no início, mas ao saber que todos tinham retornado, com as fofocas que ouviu na estalagem, ela se animou como uma criança quando vê um brinquedo novo e subiu correndo para contar a Keith.

Se preocupava com o bem estar de Flint, mesmo sabendo que ele era muito melhor do que ela em luta, a conexão que os dois tinham de pai e filha era algo que nem ela mesma conseguia explicar. Vestiu sua melhor roupa e seu melhor sobretudo, forçando Keith a fazer o mesmo, pois iriam ver finalmente a tripulação de volta, e o arrastou pela mão com um sorriso enorme no rosto. O caminho da estalagem até o porto não era tão longe, como sempre haviam pessoas andando de um lado para o outro e evitando chegar perto dos dois enquanto eles andavam, ou melhor, praticamente corriam por causa da excitação de Amelie, até o destino final. Quando chegaram no navio e ela subiu para o convés, sem soltar a mão de Keith por um minuto, observou a festa que se desenrolava e seu sorriso se alargou, isso significava bebidas, e muitas! Quando chegaram próximo à entrada para dentro do navio, pois Amelie não queria ficar no meio da bagunça, ela viu uma familiar barba ruiva vindo até eles com um sorriso no rosto, olhando para Amelie como se Keith não estivesse ali. Flint a abraçou forte, quase a tirando do chão.

— Eu senti sua falta, pequena. — Ele disse num tom carinhoso, depositando um beijo em seu chapéu que ela nunca tirava.

— Também senti sua falta, não sei como conseguiram tudo isso sem mim! — Os dois riram e ele se afastou.

— Eu também não. O que aconteceu não vai se repetir, nem que eu tenha que deixar homens de guarda ao seu redor o tempo inteiro. — Ele disse num tom sério. De repente as memórias atingiram Amelie como um soco e ela engoliu em seco, ele percebeu franzindo o cenho. — Mas não vamos falar de coisas ruins, temos muito o que comemorar! — Ele gargalhou levanto um copo de vinho à boca. Quando percebeu que Amelie não largava a mão de Keith foi quando notou sua presença. Ele virou-se para o rapaz, com um pequeno sorriso no rosto, nada convincente e limpou a garganta. — É bom te... Ver também, Keith. — E alargou o sorrindo tentando ser simpático. Amelie ergueu uma sobrancelha. Ótimo, agora Flint estava com ciúmes de seu marido. Suspirou.

— Pai...

Ela o chamou num tom de "eu não acredito nessa merda", Flint a olhou com seus olhos verdes e apenas ergueu as mãos em defesa.

— Eu não fiz nada. — Ele abriu um sorriso para ela, mostrando os dentes e Amelie apenas suspirou revirando os olhos.

Amelie não queria falar nada enquanto os dois conversavam, mas ela sentia a tensão no ar, era quase palpável, conhecia aquele sorriso de Flint que era mais como um "eu só não te mato porque ela te ama" do que um sorriso genuíno. Homens, pensou consigo mesma. Queria bater a mão em sua testa com a cena, não acreditava que aquilo estava acontecendo. Flint parecia uma criança no corpo de um homem. Quando Keith começou a falar ele apenas o encarou com aquele sorriso marcado no rosto, mas o sorriso se desfez quando Keith começou a se enrolar.

Amelie virou-se para fitar Keith com os olhos arregalados, aquilo era cômico demais para estar acontecendo entre dois adultos, ela se sentia a única pessoa sã ali. Flint o encarou com a cara fechada por segundos que pareciam minutos e bebeu mais alguns goles de vinho, rápido demais até para ela.

— Claro, eu criei o Blackmore e toda a nossa reputação, não poderia ser diferente. — Ele disse abrindo aquele sorriso novamente.

— O que ele quis dizer, pai, é que ele está feliz que a tripulação esteja bem e que tenham conseguido bastante recursos. — Ela apertou a mão de Keith como um aviso enquanto ainda o fitava, mas ao olhar para Flint, percebeu que ele não tirava os olhos de Keith. Flint riu, pousando a mão vazia em sua espada.

— Obrigado por esclarecer, Amelie. — O olhar de Flint era penetrante. — Mas eu tenho uma memória muito boa, sabe. Tipo como caçar alguém até o fim do mundo se necessário. — Amelie quis novamente bater a mão na testa, não entendia a implicação, mas talvez depois do que aconteceu, Flint se tornara mais protetor em relação a ela.

— É, pai, nós sabemos disso, existem muitas pessoas lá fora que querem nossas cabeças, não é difícil encontrar uma pra caçar.

Mas ele pareceu não ouvi-la, sequer olhou para ela quando ela falou isso. Amelie suspirou, massageando sua têmpora e ia falar para ele parar de agir daquele jeito, mas antes que ela falasse, ele falou primeiro.

— O único trabalho que eu quero você faça, é que cuide da minha filha. — Ele abriu um sorriso maior, mostrando os dentes. Ela conhecia muito bem aquele sorriso.

— Eu acho melhor entrarmos pra ter mais privacidade, aqui está muito barulhento.

Começou a puxar Keith, mas o sorriso de Flint sumiu ao ouvir a palavra "privacidade" e ele se virou para ela agora, sério.

— Lá dentro está cheio, Gallant está ocupado. — Mas Gallant estava bem ali perto, bebendo vinho e acenou para os três. Parecia estar em seu estado normal hoje. Estava claro que Flint não queria que Amelie se afastasse.

— Gallant tá bem ali, pai.

Flint suspirou, se dando por vencido, e riu consigo mesmo bebendo mais vinho e voltando a fitar Keith com os olhos penetrando sua alma e o mesmo sorriso voltou.

— Espero que esteja se... sentindo melhor, Keith. — Seu sorriso se alargou. Amelie queria dar um soco nos dois homens mais importantes de sua vida. Um que estava agindo como uma criança e o outro que estava se cagando de medo sem conseguir formar uma frase coerente. Ela revirou os olhos tão forte que quase sentiu eles entrando dentro de seu crânio.

Os olhos de Amelie se arregalaram mais ainda ao ouvir Keith falar tanta merda ao mesmo tempo, queria dar um tapa em seu rosto, ela mesma já estava começando a ficar com raiva daquele joguinho que Flint estava fazendo, embora entendesse, em partes, sua preocupação. Flint ainda mantinha aquele sorriso, mas agora era menor, como se ele estivesse analisando cada expressão e palavra que Keith dizia.

— Eu não acredito nisso... — Amelie murmurou para si mesma. Nunca tinha visto Flint agindo daquela maneira, ele era sempre tão sério e controlado e agora estava sendo infantil. Ela massageou suas têmporas novamente, suspirando fundo.

— É claro que vai treinar mais, não queremos que nada aconteça com Amelie. — Ele continuou fitando Keith, com um pequeno e hostil sorriso estampado no rosto.

De repente Flint puxou Keith pelo sobretudo, de maneira tão rápida e forte que a mão de Amelie se soltou da sua. Ele se aproximou do rosto de Keith enquanto o sufocava sem perceber, agora não sorria mais, seu olhar era mortal e seu rosto estava sério. Estava tão próximo que era possível sentir o hálito de vinho.

— Ela teve sorte de você estar lá aquele dia, garoto, não pense que eu não fico grato por ter salvo a vida dela matando aquele verme, mas se você machucar minha filha, nem que seja um pouco, eu arranco sua cabeça e dou para porcos comerem. Você vai proteger ela, você vai cuidar dela e você vai salvar ela, mesmo que isso custe sua vida. Você tem sorte de eu estar de bom humor hoje. — Quando Flint estava com raiva, ele falava com tanto ódio quanto Amelie falava.

Ela estava de olhos arregalados vendo aquela cena sem saber o que fazer, de repente fechou a cara, estava farta daquilo. Sua respiração estava tão acelerada de raiva que seu peito subia e descia com nitidez.

— PAREM COM ISSO AGORA!!

Ela gritou enfurecida.

— PARECE QUE EU SOU A ÚNICA ADULTA AQUI. PAI, SOLTE ELE, SE VOCÊ SE IMPORTA TANTO COM MEU BEM ESTAR, MATÁ-LO NÃO VAI TRAZER NADA DE BOM PRA MIM E VOCÊ SABE DISSO.

Flint grunhiu de raiva e soltou Keith, que caiu no chão, virando-se para Amelie.

— Eu só quero ter certeza de que ele me ouviu e de que ele precisa cuidar de você! — Ele exclamou para Amelie, tentando não expressar raiva para ela.

— Ele cuida de mim, ele me salvou, se não fosse por ele aquele homem teria abusado de mim e me matado, ele se fodeu tanto quanto eu pra matá-lo, não venha com essa, eu estou cansada dessa merda! Ele é meu marido, ele é um ótimo lutador e ninguém cuidaria tão bem de mim quanto ele cuida. O que você fez agora, pai... Você parece uma criança, não toque nele novamente!

Amelie se aproximou mais de Flint, o fitando com os olhos. Ele suspirou e abaixou a cabeça, se dando por vencido.

— Eu só queria ter certeza que... — Amelie o interrompeu antes que ele continuasse.

— Você não precisava ter feito isso, existe uma coisa chamada diálogo, quando você machuca ele, você me machuca também. E sim, ele é meu marido, eu o escolhi, a gente fode! Isso é normal, agora por favor pare com essa criancice e volte a ser meu pai!

A única pessoa que conseguia controlar Flint era Amelie, ele fez uma careta de desgosto com o que ela disse, mas suspirou. Virou-se para Keith e o puxou pelo sobretudo novamente como se ele fosse um objeto, o colocando de pé. O fitou por alguns segundos e depois fitou Amelie. Virando-se para Keith, deu dois tapas em seu ombro com um sorriso, como se nada tivesse acontecido.

— Preocupação de pai. — Ele alargou o sorriso para Keith e se virou começando a caminhar para longe dos dois. — A festa está boa, divirtam-se. — Amelie deixou o ar sair de seus pulmões e se aproximou de Keith segurando seu rosto.

— Você está bem?!

Sua voz era de genuína preocupação, pôs a mão na testa novamente, suspirando.

— Eu sinto muito por isso, amor, eu não sei o que deu nele hoje.

Amelie desceu um pouco a parte de cima do sobretudo de Keith para verificar seu pescoço, se havia ficado alguma marca e respirou aliviada ao perceber que não havia. Ajeitou seu sobretudo novamente.

— Eu acho que depois do que aconteceu ele se sente mais protetor em relação à mim agora, não foi culpa sua. — Ela disse gentilmente, tentando acalmá-lo. Ouvindo o que ele falou, ela abaixou a cabeça com as memórias daquele dia e daquele homem, sempre que era mencionado ela conseguia sentir as mãos dele nela, negou com a cabeça.

— Você cuida bem de mim, não coloque todo esse peso sob suas costas, você salvou minha vida, Flint sabe disso, ele só tá preocupado. Está tudo bem, eu nunca vi ele assim, mas está tudo bem, eu também travaria em sua situação, Flint é imponente, você me conhece, eu também só, ele só é um pouco pior do que eu. Se ele te odiasse, ele já teria te matado, ele só está com "preocupação de pai" ou seja lá que merda seja, ele só está receoso, ele não quer que aconteça nada como aquilo de novo, talvez se sinta culpado por não estar lá, eu não sei, a mente dele ainda é um mistério pra mim, mas tá tudo bem. Tá tudo bem. Vamos esquecer disso e aproveitar a festa, ok? Ele sabe que não pode machucar você, porque ele não quer me machucar, tá tudo bem.

Ela sorriu para Keith, segurando seu rosto e o beijou rapidamente, segurando sua mão de novo. Começou a puxá-lo pelo convés onde a festa estava acontecendo. Vários piratas passavam, de um lado para o outro, bêbados, rindo, conversando. Quando passou por Gallant ele estava com um copo de vinho na mão conversando com outro pirata, mas parou ao vê-la.

— Gallant! Parece que você finalmente saiu da cozinha e tá curtindo as coisas aqui fora.

Gallant sorriu, com seu olho cego e uma parte do rosto deformada.

— Eu não vi nada da luta, mas foi bem intensa, vocês perderam uma ótima batalha! É bom te ver de novo Amelie, você também Keith! — Ele exclamou para os dois, Gallant parecia animado e feliz, não estava enterrado em sua insanidade, era sempre bom quando ele era ele novamente, ela gostava de Gallant.

— É, parece que perdemos algo bem interessante mesmo, mas não podíamos participar, infelizmente. Vejo que se sente melhor hoje.

Ninguém falava para Gallant dos momentos de insanidade que ele tinha, mas no fundo ela tinha a impressão de que ele sabia que acontecia, só tinha vergonha demais para admitir. Ele riu colocando o cabelo longo e loiro atrás da orelha e deu de ombros.

— Eu tô sim, mas parece que meu rosto afasta as mulheres. — Ele riu tristemente antes de beber mais um gole do vinho e acenou, voltando a conversar com o pirata que estava conversando anteriormente. Ela levou isso como uma deixa e continuou caminhando com Keith, sem soltar sua mão. Estava ensolarado e o som e cheiro do mar a acalmava, o que a deixava ainda mais feliz era a mão que segurava, desapressou o passo para Keith poder caminhar ao seu lado.

— Às vezes eu acho que parte de Gallant fica consciente quando ele está insano, como se fosse uma muralha o prendendo enquanto ele tenta sair, mas sua mente não deixa.

Ela disse para Keith enquanto eles andavam até o vinho e começou a encher o copo para ele, o entregando em seguida e enchendo um para ela mesma, que bebeu tudo em um gole só, sem ao menos fazer careta, enchendo outro copo. Começou a olhar em volta e viu Elliot num canto com alguns papéis nas mãos, fazendo algumas anotações, com seu usual cabelo ruivo caindo no rosto e os óculos. Fez uma careta pendendo a cabeça para o lado.

— Eu nunca vou entender isso... É só papel, queima fácil, deve ser difícil escrever.

Estava intrigada enquanto olhava Elliot com o papel em mãos escrevendo alguma coisa com o olhar sério, ignorando tudo ao seu redor. Ela realmente nunca iria entender, nunca aprendeu a ler ou escrever, pra ela aquilo era só papel. Passou alguns segundos olhando Elliot que estava muito concentrado e voltou a olhar para Keith, bebendo mais alguns goles do vinho.

— É só papel...

Sua expressão era confusa, queria que ele concordasse com ela, não sabia o que tinha de tão interessante em um pedaço de papel ou nas coisas que se escreviam nele. Levou os dedos aos lábios, mordendo a unha.

— É só papel.

Amelie fez uma careta quando ele mencionou que queria ajudá-la a aprender a escrever, olhou para o vazio por alguns segundos e depois olhou para Keith novamente com a mesma careta confusa.

— Pra quê eu vou querer isso? — Ficou pensativa por um momento, tomou outro grande gole de vinho.

— O que são cálculos? É só papel, eu nunca vou precisar disso, é perda de tempo, amor, eu sei lutar, não sei porque iria querer aprender a rabiscar num pedaço de papel.

A careta que Amelie fazia era quase cômica, ela não entendia em qual situação seria necessário aprender essas coisas, já que sua única função era lutar nas incursões, Elliot fazia tudo relacionado a isso e Keith também, então não via necessidade em aprender nada relacionado.

— É só papel.

Ela repetiu, dando de ombros e bebendo outro grande gole de vinho, batendo a caneca na mesa de madeira.

— Também acho que deveríamos recompensar Elliot com alguma coisa, mas... Bom, esse é o trabalho dele aqui, ele faz isso o tempo todo, às vezes ele consegue salvar um tripulante, outras vezes não tem nada que ele possa fazer.

Ela abaixou a cabeça se lembrando dos que se foram, alguns que lutaram ao seu lado durante anos.

— Eu me lembro de um, Louis, ele era muito legal, salvou minha vida algumas vezes, principalmente quando eu era mais nova, um dia estávamos em uma batalha contra um navio, Aphrodite, tentando roubar a carga e o kham como sempre fazíamos, atracamos o navio deles e não tinha ninguém no deck, Flint disse que tinha algo de errado porque estava tudo muito quieto, mas Louis continuou caminhando até a entrada do navio, ele pisou em uma armadilha e tudo o que vimos foi uma bomba explodindo e os pedaços dele voando pra todos os lados. A tripulação estava dentro, esperando que nos aproximássemos, iria ser com todos nós, mas Louis pagou o preço. Eu lembro que eu tinha 17 anos e quando arrombamos a porta começamos a matá-los como loucos. Ele era um ótimo guerreiro e amigo, me ensinou algumas coisas, se ele estivesse aqui, tenho certeza que ele iria gostar de você.

Ela esboçou um sorriso triste para Keith, lembrando daquele fatídico dia, bebeu mais uma vez, dessa vez mais do que antes.

— É a vida de um pirata, afinal, você nunca sabe o que tem atrás ou antes de uma porta.

Não queria estragar o momento falando sobre aquilo, mas gostava de conversar com seu marido, gostava de contar as histórias das batalhas que enfrentou, embora estivesse com medo de sua melancolia deixá-lo melancólico ou preocupado.

— Desculpa por estragar o momento, amor, é que eu gosto de te contar essas histórias.

Ela sorriu, um sorriso menos triste dessa vez.

Amelie ouvia tudo o que Keith dizia enquanto bebia um longo gole de vinho, talvez não fosse tão ruim aprender a ler e escrever, mas para ela parecia algo alien, não gostava da ideia, mas se Keith insistia, ela poderia tentar.

— Ok, ok, amor, eu aceito sua proposta, mas pra mim é só papel, nada vai mudar isso. — Ela falou entre um gole, enchendo o copo outra vez e continuou o ouvindo. Quando ele falou sobre armadilhas e sobre como ele lidava com isso desde cedo, um bolo se formou em sua garganta. Ela bateu a caneca, dessa vez mais forte e o fitou.

— Não, não, não. Nem pense nisso, você não vai sair por navios desconhecidos procurando armadilhas só pra ter o mesmo destino de Louis.

Seu olhar era sério, um olhar de "por que eu tenho que lidar com isso". Então ele mencionou cachorros e Amelie riu, se engasgando com o vinho que bebia, havia pensando em uma ótima piada.

— Um cachorro... Num navio... Pra ele sair caçando armadilhas... Num navio...

Ela gargalhou, tentando segurar sua língua, mas não conseguiu. Continuou rindo sozinha com a piada dentro da sua cabeça que queria escapar, então finalmente disse.

— Amor, nós já temos um cachorrinho no navio.

Ela continuou rindo, começou a rir tanto que teve que se segurar na mesa pra não cair.

— O cachorrinho...

Tentava parar de rir, mas não conseguia.

— O cachorrinho é você, amor.

Então Amelie continuou rindo da própria piada, bagunçando o cabelo de Keith.

— Vem aqui totó... Psi psi...

Continuou rindo lembrando da noite em que ele se transformou, gargalhava tão alto que sua risada conseguia ser mais alta do que o barulho que os homens faziam, ria tanto que estava começando a ficar sem fôlego.

Amelie continuava rindo sem parar, seu rosto ficou vermelho de tanto rir e ela quase se engasgou de novo enquanto ria, mas ao olhar para Keith, se aproximou dele e virou seu rosto para que ele olhasse pra ela, prendendo o riso.

— Claro, amor, um grande e feroz lobo... — Ela não conseguiu segurar a risada e pendeu pra trás involuntariamente, quase caindo, se segurando na mesa.

— Você fica tão fofo com esse biquinho que...

Ela sabia que ele estava com raiva, mas não conseguia parar de rir e criar mais piadas na sua cabeça.

— Você parece mais um poodle loirinho...

Não queria que ele virasse o rosto novamente, então se aproximou de novo.

— Desculpa, amor, eu não consigo...

Seus olhos já lacrimejavam de tanto rir.

— Eu não consigo parar de pensar em piadas sobre isso.

Dessa vez riu tanto que desequilibrou o vinho em sua mão, que caiu em suas botas.

— Meu poodle com probleminhas de raiva.

Acariciou o rosto de Keith tentando fazer ele não ficar com mais raiva, ela não estava tentando deixá-lo nervoso ou com raiva, mas não conseguia evitar. Essa era Amelie, afinal, ninguém escapava.

— Você só precisa de uma coleirinha agora.

Explodiu de rir com a última frase, se segurando no braço de Keith e apoiando a cabeça em seu torso enquanto ria descontroladamente.

Amelie se afastou e pôs a mão no peito, fingindo estar chocada com o xingamento, ainda com o sorriso no rosto quando ele a xingou. Nunca imaginou que Keith faria isso, mas achou engraçado e fofo a forma que ele ficou bravo com as brincadeiras dela.

— Meu rabo é todo seu, poodle loirinho. — Ela riu bebendo outro gole de vinho, dessa vez um maior, enchendo o copo novamente. Teriam que ser muitos goles pra ela conseguir ficar bêbada, mas já estava começando a sentir os efeitos.

— Você fica tão fofo bravinho.

Ela disse o observando cruzar os braços e ao ouvir o que ela disse, seu sangue ferveu. Ela tirou a adaga e colocou no pescoço de Keith, indo até seu ouvido.

— Tem certeza que eu não sou uma onça em pele de gatinha?

Sussurrou em seu ouvido usando a outra mão para apertar o que ele tinha escondido nas calças, com força.

— Isso vai ter volta, lobinho.

Quando teve a reação natural que queria, se afastou, guardando sua adaga e tomando outro gole de vinho. Era mais como uma ameaça do que ela planejava fazer com ele quando voltassem para a estalagem, ele não sabia com quem estava lidando. Amelie apenas bebeu o vinho inteiro de uma vez, agora em silêncio, as piadas rolando por sua cabeça, mas ela apenas ria consigo mesma, não querendo deixar Keith com mais raiva. Apenas apreciando seu rosto ruborizado de raiva e o bico fofo que ele fazia.

— Sabe, você fica muito fofo bravo, mas muito sexy também.

Talvez tenha dito aquilo um pouco alto demais porque alguns piratas que passaram perto a olharam por um segundo antes de voltar ao que estavam fazendo.

— Com esses braços fortes, essas mãos grandes e delicadas, esse rostinho lindo...

Embora estivesse fazendo aquilo para provocá-lo, não era mentira, ela realmente adorava quando ele estava com raiva ou demonstrava algum tipo de dominação, mas estava tentando provocá-lo com suas palavras.

— Pensar no que você fez no Seymour e o que ainda vai fazer, me deixa quente. Se eu sou uma leoa em pele de gatinho, você é um lobo em pele de poodle.

Não conseguiu conter a última risada, mas tentou se controlar, fitando seus olhos enquanto bebia mais vinho e começava a sentir seus pés ficarem dormentes.

Amelie riu quando ele ficou irritado novamente ao ouvi-la chamá-lo de poodle. Aquilo estava cômico demais até pra ela, não conseguia parar de rir enquanto bebia mais.

— Ok, ok, loirinho... Lobinho fofo, melhor assim? — Ela riu enquanto sentia o efeito do álcool começar a deixá-la dormente. Oh, Amelie bêbada, a última coisa que Keith iria precisar seria Amelie bêbada, porque ela falava muito alto e se tornava ainda mais impulsiva.

Ela arregalou os olhos quando ele falou sobre raspar o cabelo e agora era ela quem estava com uma expressão aborrecida no rosto.

— Se você raspar a cabeça, vou voltar a te chamar de poodle de novo!

Ela riu novamente com as piadas que se formavam em sua cabeça.

— Um poodle, só que sem pêlos, hmm...

Ela realmente não queria deixá-lo irritado, mas era tão engraçado pra ela vê-lo daquele jeito.

— Desculpa, amor, eu não consigo me controlar.

Ela começou a rir como uma esquizofrênica com as próprias piadas que evitava que saíssem de sua boca para não deixá-lo ainda mais aborrecido. Quando ele falou aquilo, em sua concepção, parecia absurdo. Ela decidiu parar com as brincadeiras sobre cachorros e se aproximou novamente, erguendo a cabeça de Keith para ele olhar para ela.

— Ei, nada disso, você não é meu cachorrinho. Você é um homem independente e forte, eu só estava fazendo piadas. Só piadas. Não diga isso de novo.

Estava falando sério dessa vez, se afastou mais um pouco para poder beber novamente e voltar a provocá-lo, de uma forma diferente.

— Quando voltarmos à estalagem, eu vou te mostrar o tipo de leoa que eu sou. Talvez uma guerra pra ver quem é mais forte, quem sabe.

Sua voz saiu suave e seu olhar era provocativo, ela sabia seus pontos fracos, mas não podia falar ou fazer muito enquanto estavam ali, principalmente por causa de Flint. Ela não sabia onde ele estava, mas pela forma que havia lidado com Keith, imaginava que não iria gostar de ver os dois se agarrando no meio da festa, principalmente levando em consideração o que Amelie tinha na cabeça naquele momento.

Tirou o chapéu enquanto ele falava sobre Gallant. Não era assim que as coisas funcionavam, eles não podiam sair por aí procurando uma pessoa e magicamente fazer os dois se apaixonarem, mas Amelie compartilhava do sentimento, era triste ver Gallant triste por não ter ninguém e por sua deficiência ser o motivo disso, ele era um membro muito querido da tripulação, como todos ali, era como família.

— Não é assim que funciona, amor, não podemos fazer as coisas acontecerem, elas simplesmente acontecem. Um dia alguém vai ver através dos defeitos dele, como eu vi em você, apesar de você não ter defeitos. — Seu tom tinha um pouco de tristeza embargada, mas ela não se importou. Não se importava em parecer frágil quando se tratava de Keith.

Até que ele falou sobre falar com Flint. Amelie arregalou os olhos e quase cuspiu o vinho que bebia. Não sabia que diabos ele tinha na cabeça, principalmente depois do que aconteceu.

— Eeeeeeu não acho que seja uma boa ideia...

Mas Keith parecia determinado, talvez tenha bebido demais e quando olhou para Flint novamente ele estava se aproximando. Ela soltou um suspiro cansado. Aquilo de novo não.

— Eu vou precisar de mais dois copos pra aguentar isso.

Engoliu o resto do vinho que tinha em sua caneca e encheu outra novamente, descendo com tudo, depois encheu de novo o mais rápido que conseguiu e bebeu tudo novamente, uma parte caiu por seu pescoço, mas ela estava pouco se fodendo pra isso naquele momento. Olhou novamente e Flint estava quase do lado dos dois.

— Puta merda.

Resmungou, agora estava começando a ficar realmente bêbada. Parecia que quando Flint notou Keith olhando pra ele, simplesmente decidiu vir falar com os dois de novo, ele era esperto o bastante pra perceber as coisas. Parou na frente dos dois, com um copo de vinho na mão e abriu um sorriso, o mesmo sorriso de antes, dessa vez parecia mais tranquilo pelo menos, talvez pelo efeito do álcool.

— Aproveitando a festa? — Ele perguntou, talvez uma pergunta retórica, passando os olhos para Amelie e depois para Keith, pousando seu olhar no rapaz.

— Eu preciso beber.

Amelie resmungou novamente, enchendo outra caneca de vinho e bebendo. Ela não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo de novo, dessa vez pior, porque os dois estavam bêbados. Queria sair e deixá-los ali se matando, mas não podia sair do lado de Keith, principalmente se Flint estivesse sendo hostil, o que não parecia estar, pelo menos pra ela.

Amelie se encostou na mesa, não conseguia mais sentir suas pernas ou mãos, cruzou os braços observando os dois, já planejando o que fazer caso alguma coisa ruim acontecesse. Viu Keith se aproximar do capitão e massageou as têmporas. Flint não se moveu, continuou no lugar que estava, dando espaço para que o rapaz falasse, o que pra Amelie pareceu pior porque ele não recuaria e estavam perto demais um do outro, mas ela continuou apenas observando.

O capitão ouviu as palavras de Keith e quando terminou de falar, deu uma risada, Amelie conhecia aquela risada. Ele olhou para ela e depois para Keith novamente.

— E você quer pedir a mão dela depois de casados? — Ele fitou Keith com um meio sorriso. Deu um passo para se aproximar mais de Keith e Amelie ia intervir, mas ele a parou fazendo sinal com a mão.

— Puta merda... — Ela deu um tapa na própria testa e respirou fundo tentando manter a calma.

— Olha, garoto, devo admitir que te subestimei desde o início quando Amelie te trouxe para a tripulação, também fiquei com raiva e a culpei quando você se transformou em um lycan dentro do navio, quis socar sua cara quando abri a porta dos aposentos de Amelie e você estava em cima dela, quis socar sua cara mais ainda quando soube que vocês tinham se casado... — Flint bebeu mais um gole de vinho e continuou. — E eu quis te encher de porrada no bar quando ela gritou aquilo, quis te matar quando soube o que aconteceu com vocês... — Ele riu baixo, imaginando todas as vezes que queria socar a cara de Keith. — Mas ela te escolheu, desde que te conheceu, ela mudou muito, eu tive uma esposa uma vez, antes de ser pirata, ela era e sempre vai ser o amor da minha vida, mas a mataram brutalmente um dia enquanto estávamos voltando de viagem em um navio, acharam que era um navio pirata e começaram a matar todos que estavam ali dentro, consegui me salvar pelas habilidades que meu pai me ensinou, habilidades essas, que passei pra Amelie, mas quando a encontrei ela estava no chão com um tiro na testa. Sequer pude me despedir dela, dizer o quanto a amava... Depois que isso aconteceu e consegui sair vivo, larguei tudo o que tinha e fundei o Blackmore. — Flint bebeu alguns goles de bebida. Amelie já havia ouvido aquela história antes, ninguém sabia além dela. — Se era um monstro que eles queriam, um monstro eu me tornei.

Flint se aproximou mais e tocou o ombro do rapaz.

— Então eu sei como você se sente em relação à minha filha, porque eu já senti isso antes, esse tipo de sentimento nunca vai embora e estou te contando isso porque considero você parte da família desde o momento em que Amelie se casou com você, apenas ela sabia disso. — Ele olhou para Amelie e depois para Keith. — Depois do que aconteceu, me tornei mais protetivo em relação à ela, talvez em relação à vocês dois, Hahle é perigosa para pessoas como nós, se você quer melhorar, se tornar melhor, treine o quanto for preciso para protegê-la quando eu não puder, porque se algo acontecer à ela, eu não vou culpar você, eu não vou matar você, eu vou deixar que você viva com a dor de nunca mais poder tê-la ao seu lado de novo, o que é bem pior. E sim, isso é uma ameaça, mas não é porque não gosto de você. Quando vocês se casaram, você se tornou um filho para mim também, mesmo eu querendo socar sua cara, eu sei que você vai fazer de tudo para protegê-la, assim como eu farei, estou apostando todas as minhas cartas em você.

Ele se afastou e se virou para ir embora, mas pareceu se lembrar de algo. Andou rápido até Keith e lhe deu um soco no rosto.

— Amor de pai. — Ele riu, dessa vez indo embora bebendo o resto do vinho que tinha.

Amelie ficou paralisada, não esperava por aquilo, por nada daquilo, principalmente pelo soco que Keith levou. Ela ficou ali parada de olhos arregalados o tempo inteiro e quando se deu por si foi até Keith, segurando seu rosto.

— Amor...

Ver a marca do soco em sua pele branquinha fez seu coração doer. Ela acariciou o rosto dele, sem conseguir falar nada.

— Que porra foi essa?

Amelie ainda estava de olhos arregalados quando ele falou, tentando talvez fazê-la não se preocupar, mas ela se preocupava ainda assim. Tocou a mão que ele levava ao rosto, com o cenho franzido.

— Ele não te odeia, ele nunca contou sua história pra ninguém da tripulação além de mim, se ele te odiasse, ele não teria te contado. — Ela suspirou, ainda com o mesmo semblante.

Se sentia tonta pela bebida, então segurou sua mão, tanto para se equilibrar quanto para tocá-lo. Vê-lo sentir dor a fazia sentir dor também, ela não conseguiu evitar as lágrimas que se formavam em seu rosto.

— Eu sinto muito, o Flint é assim, mas ele não te odeia, acho que ele só fez algo que queria fazer há muito tempo, mas você foi bem, ele também foi bem de certa forma, eu esperava que algo pior fosse acontecer. Tá tudo bem.

Ela tentou segurar seu rosto para examinar melhor a marca do soco. Aquilo provavelmente estava doendo muito, Flint era muito forte.

— Espere um pouco aqui.

Ela disse, se afastando, quase tropeçando nos próprios pés enquanto tentava andar pelo convés até onde Elliot estava, ao chegar, se apoiou em um mastro de madeira para não cair.

— Elliot!

Elliot levantou a cabeça, tirando os óculos e sorrindo para Amelie.

— Amelie! — Ele respondeu, remexendo os papéis sem olhar para ajeitá-los em seu colo.

— É o Keith, precisamos de ajuda. — Ela disse e ele logo se levantou, colocando os papéis em um tipo de bolsa e guardando seu lápis. Começaram a caminhar em direção a Keith, mas antes que pudessem chegar, um tripulante, que ela não conhecia e provavelmente era bem novo ali, puxou seu braço a fazendo parar. Ela o fuzilou com os olhos. Ele estava completamente bêbado.

— Você é bem bonita, sabia? Não quer um pouco de vinho? — Até sua voz estava embargada pelo álcool, ele inteiro cheirava a álcool. Amelie virou-se para ele e se aproximou, ele riu consigo mesmo por ela ter aceitado, mas foi surpreendido com um chute extremamente forte entre as pernas que o fez delirar de dor, ele caiu no chão se contorcendo e ela pegou uma garrafa de vidro de vinho que estava próxima e quebrou em sua cabeça, o que o fez gemer ainda mais de dor.

— Aceito. — Foi a única coisa que disse antes de puxar Elliot que estava de olhos arregalados e os lábios entreabertos com a cena que se desenrolou tão rápido. O puxou até Keith, tentando ignorar o que tinha acabado de acontecer e suspirou olhando para um Elliot que se agarrava à bolsa de papéis, com medo da própria sombra. Ele não era acostumado a lidar com violência.

— Flint deu um soco no rosto de Keith e aparentemente está e vai doer muito, tem alguma coisa que você possa fazer pra diminuir a dor? — Elliot ainda estava meio chocado, embora não tivesse sido algo tão violento aos olhos de Amelie, então ele gaguejou algo incompreensível, olhando para Keith em seguida.