Um sorriso se formou no rosto de Amelie ao ouvir as palavras de Keith. Ele não era mais aquele impuro frágil com medo de tudo quando se conheceram, era um homem forte e conseguiu falar tudo aquilo para seu progenitor, as palavras certas que talvez estivessem entaladas em sua garganta por muito tempo. Não conseguiu esconder seu orgulho, porém não tirou os olhos daquele homem em momento algum.

Bufou quando ouviu a resposta do alfa e esboçou um sorriso sarcástico, como se não acreditasse que ele ainda tinha as bolas para falar aquilo.

— Tu não tem nada a ver com a minha vida, mas tivemos inícios parecidos. Quando encontrei minha "mãe", ela disse a mesma coisa. "Me dê uma segunda chance, podemos consertar isso". Eu fiz um corte tão fundo com a minha espada na garganta dela que quase a matei, mas isso aqui não é sobre mim então não cabe à mim tomar essa decisão. Se é sua reputação que te preocupa, vou te falar uma coisa... Em Hahle eu tenho uma reputação bem ruim, já fui pega pelos vigilantes duas vezes, tem dois preços por minha cabeça. Reputação não é porra nenhuma no fim das contas. — Sentiu uma vontade inexplicável de tossir e parecia que suas pernas começavam a ceder, sua fraqueza apenas piorava.

Isso a preocupou, precisava contar para Keith em algum momento, mas sabia que se o fizesse ele iria acabar desfocando. Mas ele precisava saber, então virou-se para ele, segurou seu ombro e se aproximou de seu ouvido. Sabia que os lycans ali provavelmente iriam ouvir, mas não se importava.

— Eu preciso falar com você, rapidinho, só prometa que vai continuar aqui tentando melhorar, eu vou estar ao seu lado, mas não é justo não te falar. — Olhou ao redor, precisava de um local com menos gente para ter aquela conversa. — Tristan, volta pro quarto, a gente já volta.— A pobre criança humana não entendia nada e se sentia perdida ali, mas fez como Amelie disse e pegou seu brinquedinho de lycan transformado, voltando para o quarto onde estava anteriormente.

Então Amelie segurou a mão de Keith e o puxou para mais dentro daquela casa estranha, deixando os dois lycans na sala. Assim que chegaram em uma área mais reservada, deixou um suspiro pesado escapar.

— Nos últimos dias de viagem, comecei a me sentir muito fraca, uma fadiga enorme, sinto como se meu corpo fosse ceder a qualquer momento, meu ciclo está desregulado, não veio nada esse mês... Não sinto apetite, vontade de comer, a palma das minhas mãos estão vermelhas por algum motivo e meu glóbulo ocular tá meio amarelado... Acho que peguei alguma doença no navio. Não quis te contar antes porque sabia que isso ia te desfocar do que você precisa fazer. Mas eu tô bem, talvez seja só uma daquelas viroses nojentas que se pega em navios de viagem. Não é como da outra vez que eu fiquei grávida, é diferente, eu não sei explicar, mas eu quero que você continue, você precisa aprender o que não sabe, não vamos ter uma oportunidade como essa novamente, o filho da puta do seu pai se ofereceu pra te ajudar. Eu sei que se preocupa comigo mais do que qualquer coisa, mas por favor, faz isso por mim. Em alguns dias eu vou estar novinha em folha, só queria te contar isso. Talvez ajude em alguma coisa, Sean falou sobre controlar a transformação pra conseguir a semi transformação e eu não quero que pense naquela merda que aconteceu com os vigilantes como da última vez... Talvez pensar nisso ajude. Não sei. Eu vou ficar bem, eu prometo. Só me prometa que vai tentar apesar disso. — Segurou o rosto dele com as duas mãos, acariciando. — Já passei por muita coisa, não vai ser uma gripezinha de navio que vai me derrubar, só vai se livrar de mim quando eu morrer. — Esboçou um sorriso acolhedor e o beijou, um beijo gentil, porém apaixonado e cheio de amor. Queria que ele se acalmasse e não pensasse tanto naquilo.

Em seguida se afastou, bagunçando seus cabelos que estavam escapando por baixo do gorro e segurou sua mão novamente, puxando de volta para a sala onde os dois lycans estavam. Sua expressão mudou completamente para aquela de ódio, fuzilando o pai de Keith com o olhar, de repente queria matá-lo a qualquer custo. Prometeu à si mesma que ainda iria fazer isso, mas estava difícil ficar de pé, então sentou-se no sofá, vendo que Tristan já havia saído e estava mostrando seu brinquedo a Sean, falando sem parar como sempre fazia. Era impossível não amar aquele menino. Quando ele viu que ambos tinham voltado, Amelie fez sinal para ele sentar ao lado dela no sofá e ele correu, sentando bem ao seu lado e se aconchegando nos braços da pirata.

— Eu fiquei entediado e o tio Sean é bem legal. Queria ser assim um dia, mas aqui é bem frio, né? — Ele levou os olhinhos azuis para olhar Amelie e ela apenas concordou com a cabeça.

Fitou Keith em seguida, esboçando um sorriso apaixonado. Queria muito que isso não o desestabilizasse, mas não conseguia esconder nada dele, não mais, não depois do que aconteceu da última vez, onde perdeu sua prole por conta de seus próprios erros. Isto ainda machucava demais, mas tentava não pensar.

Era interessante ver Keith se esforçando para treinar, ela sabia que ele só treinava tão intensamente porque estava preocupado com seu bem estar, que estava indo por água abaixo à medida que o tempo passava. Sentia que perdia peso, não tinha vontade alguma de comer, mas ainda assim, tentava beber ao menos líquido, o que não descia também, se via vomitando. Se sentia cada vez mais fraca pela falta de comida, a dor em seu abdomen aumentava à ponto de fazê-la passar horas na cama segurando o local que doía. As palmas de suas mãos ficavam cada vez mais vermelhas e conseguia ver seus vazos sanguíneos começarem a inchar na pele. Imaginava que tipo de peste era aquela, não parecia apenas uma gripe de navio mais.

Por isto pedia para Tristan ficar um pouco mais longe enquanto o pai treinava, para que ela não transmitisse para ele, mas os sonos de Amelie começaram a ser febris, dormia pouco e quando dormia falava sozinha, não conseguia descansar. Talvez a desidratação e a falta de comida estivesse pesando mais do que imaginava.

De repente, quando estava tentando dormir, Keith entrou e disse para arrumarem as malas. Ele tinha aprendido o suficiente? Amelie levantou num pulo, mas isso só fez sua tontura piorar, então levou a mão à cabeça. Sua aparência deveria estar horrível, talvez não conseguisse esconder mais que estava piorando.

— Espera, eu tô bem. Dá pra ficar mais tempo, você não aprendeu quase nada. — Mas a verdade era que não estava bem e odiava mentir para Keith, então se deu por vencida e apenas observou enquanto eles faziam as malas.

Se sentia culpada por terem que ir embora tão cedo por causa dela. Seja lá o que tivesse contraído, não parecia que iria melhorar. Morte era a única coisa que se passava por sua cabeça, sabia como qualquer doença matava sem escrúpulos, quantas famílias tinham sido destruídas por causa de pragas e epidemias ao longo de sua vida, mas sempre teve uma saúde de ferro, talvez pela infância e adolescência que teve, quase nunca ficava doente. Se xingou mentalmente em sua cabeça, mas nada que falasse iria fazê-lo mudar de ideia e sabia disso.

Então fez como ele queria, colocou roupas mais quentes e pesadas, deixou que ele levasse as malas, já que era mais forte que ela agora e seu peso era vergonhoso, Amelie conseguia ganhar peso até certo ponto, sempre foi magra, mas perder daquela forma, tão rápido, era realmente estranho. Tentou se vestir sem que ele visse sua condição corporal, não queria preocupá-lo mais ainda.

Então saíram da casa de Sean, não era de agradecer por estadias, tinham ficado ali porque ele ofereceu, afinal de contas, então por que agradecer? Deixou que o marido fizesse isto e percebeu que Tristan estava confuso com o que estava acontecendo, sempre deixavam ele no escuro, mas era um garoto esperto e passava a maior parte do tempo com Amelie para perceber que ela estava doente. Talvez por isso precisassem voltar à Hahle às pressas.

Chegaram ao navio de viagem, pagaram o que era necessário para voltar à terra dos humanos, com estadias mais confortáveis e a viagem seria longa. Amelie passou a maior parte da viagem deitada, com suas tosses que logo progrediram para vômitos de bile pois não conseguia comer nada que lhe serviam no navio. Até que em certo ponto, era noite, Tristan dormia e Keith parecia pensativo demais para dormir, sentiu a vontade de vomitar novamente, então levantou-se e puxou um balde de madeira que deixava perto da cama, já estava limpo para ver seu conteúdo. Amelie vomitou, muito mais do que das outras vezes, só que assim que terminou e passou as costas da mão por sua boca viu sangue. Dentro do balde também havia sangue. Franziu o cenho, sem entender. Estava vomitando sangue e sequer tinha comido qualquer coisa. Lançou um olhar para Keith, com os lábios ainda pintados por aquele líquido escarlate.

— Eu... — A verdade era que não sabia o que falar, não sabia o que estava acontecendo com ela. — ... Talvez não seja uma gripezinha de navio. — Sua voz também estava fraca.

Os próximos dias da longa viagem se passaram assim, Amelie não conseguia sair da cama para nada além de vomitar seu próprio sangue, sua pele começava a ficar amarelada, seus glóbulos oculares mais amarelados que no início destoavam a beleza de seus olhos cianos, até mesmo seu cabelo parecia mais fraco, pois começou a cair. Quando o navio finalmente chegou à Hahle, estava vomitando com mais intensidade, a dor em seu abdomen era tão forte que gemia de dor como se uma faca houvesse sido cravada em seu abdomen, começava a ter confusão mental, mas não era algo forte, ainda tinha noção das coisas ao seu redor.

— Eu... Não quero ir pro navio. — Ofegava de fraqueza. — Se for pra morrer, quero morrer no nosso cantinho, na nossa cama, não na porra da sala do Elliot. — Realmente odiava Elliot naquele ponto.

Ao olhar para Tristan percebeu que ele carregava olhos marejados de preocupação, o marido não estava diferente, devia estar surtando.

— Eu também quero ir pra casa, papai. — Ele levou os olhinhos azuis até Keith.

E assim como pediu, foi levada até a estalagem, mas sequer conseguia caminhar direito, então teve que se apoiar em Keith. Tentava segurar a mão de Tristan, mas suas mãos e pés estavam inchados de maneira esquisita, então ele segurou seu braço, agora mais magro que o normal. Assim que chegaram, Amelie foi direto para a cama e Tristan sequer se importou com seus brinquedos ou em tirar suas roupas de viagem que estavam sujas.

— Você vai ficar bem, mamãe. Precisa ficar bem pra me ensinar a ser como você, eu juro que se melhorar te deixo lutar comigo com espadas de verdade. — Embora o menino acabasse de chamá-la de mãe pela primeira vez, a pirata apenas virou-se para ele e lhe esboçou um sorriso fraco, bagunçando seu cabelo com a pouca força que tinha. Ele se agarrou à Amelie com força, deitando ao lado dela. Não conseguia dizer nada, não tinha o que ser dito. Sabia que estava morrendo, não iria sobreviver àquilo. Então notou que Keith a fitava, esboçou um sorriso fraco para ele, com um olhar gentil e olhos pesados e finalmente conseguiu adormecer.