or ironia das asas do destino, a criada que vestia Sapphire para a recepção daquela noite era a mesma que havia lhe causado um certo desconforto pela manhã. Ainda sentia-se estranha naquele castelo, que para ela era desconhecido. Não conhecia todos os cômodos e corredores ou o que se escondia embaixo ou acima da estrutura e muito menos as pessoas que trabalhavam nele, porém percebera que todos pareciam agir de maneira esperada à sua presença, exceto por aquela moça em específico, que sequer lhe direcionava o olhar ou palavras, era como se a evitasse em todas as circunstâncias possíveis. Os dedos da criada, que enlaçavam o espartilho por cima de suas roupas de baixo, que eram brancas, pareciam nervosos, trêmulos. Era mais alta que Sapphire, então os olhos grandes, azuis e atentos da mesma observavam as expressões da outra através do espelho com detalhes elegantes entalhados ao redor. Ela franziu o cenho, preocupada com a situação emocional da mulher, que deveria ser tão jovem quanto ela mesma.

— Não precisas ter medo de mim, sim? Não serei uma lady cruel como algumas são. Qual é o seu nome? — Os olhos estavam focados nos olhos da criada através do espelho, com um sorriso gentil e amigável, a loira a observava com olhos curiosos e convidativos, entretanto suas palavras causaram o efeito contrário na moça, que pareceu se assustar ao ter a voz de Sapphire dirigida à ela e puxou os cordões do espartilho com uma força anormal e desnecessária, forçando a loira de cabelos cacheados e sedosos se segurar com força na penteadeira, soltando um grunhido baixo de desconforto. Ela havia apertado demais, talvez propositalmente, ao menos era o que parecia. A ignorância e inocência de Sapphire não deixou este detalhe passar despercebido.

De tal modo, agora estava difícil respirar e sentia-se desconfortável, porém estava acostumada a usar espartilhos apertados desde que havia entrado na puberdade, para manter sua forma feminina impecável. Um vestido de seda azul escuro foi jogado por cima, trazendo uma certa graciosidade à sua palidez e olhos, estava formidável. Após ser decorada com várias jóias, ter o cabelo feito em um penteado digno de seu status e praticamente ser banhada de uma colônia floral que possuía um cheiro notável e extremamente agradável, gostava mais do que devia de seu próprio reflexo no espelho. Estava exatamente como deveria estar, embora não fosse um evento público, Sapphire sempre fazia questão de estar extremamente apresentável, como a dama perfeita que foi treinada desde a infância para ser.

Descer as escadas espirais até os andares inferiores era um desafio, levando em consideração que grande parte de seu oxigênio estava sendo sugado por aquele espartilho. Caso se esforçasse demasiado demais, poderia até mesmo desmaiar, então tentava dar pausas entre cada degrau. Uma de suas criadas pessoas a seguia como uma sombra, erguendo o tecido de seu vestido para que não pisasse nele sem perceber. Os brincos e o colar de pérolas que carregava no pescoço fino tilintavam e refletiam as luzes dos candelabros. Havia sido um processo deveras difícil, porém conseguiu descer até o andar onde deveria estar, onde encontrou Lucian sem precisar procurar muito. Não sabia quanto tempo ele já estava ali, porém obviamente era mais fácil para um homem se tornar devidamente apresentável que uma mulher de seu status.

Um sorriso gracioso surgiu em seu rosto ao vê-lo, apressando o passo para aproximar-se o mais rápido que seus pulmões conseguiam. Assim que viu-se próxima o suficiente, estendeu as costas da mão para que o marido segurasse ou depositasse um beijo sutil, o que bem entendesse. Tentava ser o mais elegante possível em público, isto incluía controlar suas demonstrações de afeto. Era como havia aprendido em suas infinitas aulas de etiqueta.

Assim que abriu os lábios para dirigir-se ao marido, a grande porta de ferro do salão onde iriam jantar foi aberta, anunciando a chegada de um dos convidados. Os olhos de Sapphire pareciam ter se iluminado como o sol ao ver o rosto de Dorian, que trajava a parte de baixo de sua armadura real, trazendo em uma das mãos sua espada e na outra seu elmo talhado em cores roxas e douradas. Logo entregou ambos a um dos criados que o acompanhavam até o salão e sorriu igualmente para a irmã, apressando o passo até a mesma, que de súbito soltou a mão de Lucian e jogou-se nos braços de Dorian, que a girou no ar em meio a gargalhadas de felicidade.

Dorian era o filho mais velho, não havia muita semelhança com Sapphire, pois possuía cabelos castanhos, mais escuros que os de Lucian e olhos também escuros. Era um pouco mais baixo que o marido da irmã, porém muito mais alto que ela, então em seus braços, com tal estatura e trajes reais, Sapphire quase desaparecia.

— Senti tanto tua falta, Dorian! — Fazia um bom tempo que não o via desde que ele começou a trabalhar para o Rei de Fries, então sua saudade era maior que as árvores que circundavam o castelo, curvas pela agressividade dos ventos.

Assim que foi colocada no chão novamente, teve que sugar o ar de volta para seus pulmões com uma certa força. Dorian ainda segurava suas duas mãos, com um sorriso enorme cravado em seu rosto.

— Não mais que eu, Sapph! — Ele exclamou, ainda sorrindo e em seguida segurou a cabeça da irmã, como costumava fazer quando eram mais novos, depositando um beijo longo em sua testa. — Olhe só para você! É uma lady agora! Sempre soube que teria um ótimo título um dia, embora tudo possua um custo doloroso à ser pago... — Seu sorriso desapareceu lentamente ao terminar sua frase e logo seus olhos escuros foram direcionados à Lucian, sua expressão tornou-se rígida e séria, quase hostil. — Lorde Warheith... — Dorian ergueu o queixo, fitando Lucian de cima, sem fazer qualquer reverência.

Sapphire percebeu algum tipo de desgosto em sua expressão, palavras e ações, porém eram sutis e decidiu ignorá-las. Continuou com um sorriso grande em seu rosto, entrelaçando o braço ao redor do braço de Lucian após aproximar-se dele novamente.

— Bem... Espero que esteja com fome! Temos um delicioso vinho vindo direto de Hahle para ser servido durante o jantar! — Se não observassem com atenção, achariam que Sapphire estava ignorante e indiferente ao que ocorria ali, porém seu coração estava acelerado como estivera poucas vezes em sua vida.

Esperava que, ao menos, nenhum dos dois acabasse jogando uma esfera de fogo no rosto do outro aquela noite.

acompanhada por   Lucian Warheith

ssim que viu Eurielle, seu sorriso se alargou ainda mais, ela parecia mais madura, ainda jovial, é claro, pois ambas tinham quase a mesma idade, embora Sapphire fosse mais velha. Lhe deu um abraço apertado, tão eufórica que quase fez ambas perderem o equilíbrio. Assim que o abraço se desfez, a loira envolveu o braço ao redor do braço da outra, aproximando o rosto como se estivesse cochichando ou contando um segredo, porém não abaixou a voz.

— Ou das noites em que ficávamos acordadas com apenas um candelabro acesso e uma garrafa de vinho que havíamos roubado da adega do castelo e levado para meu quarto escondido. — Ambas gargalharam, porém Sapphire logo levou os olhos grandes e azuis para Lucian e depois para Dorian, levando a mão livre até os lábios em seguida, como se houvesse deixado um segredo de estado escapar. — Ops! Que descuido de minha parte, havia esquecido que os cavalheiros estão aqui. — Continuou rindo de maneira graciosa, acompanhando Eurielle até a mesa, onde finalmente desfez o abraço de seus braços e sentou-se, fazendo questão de que Dorian sentasse na mesa à sua frente.

Suas gargalhadas descontraídas lhe tiraram um pouco de oxigênio, então deixou um suspiro profundo escapar, analisando a situação das pessoas na mesa ao seu redor. Dorian havia entregado seu elmo e espada reais na recepção, agora sentado, com uma expressão indiferente, era como se tentasse evitar se comunicar. Os cabelos longos e escuros, que mal caíam sobre os ombros, contrastavam com a pele pálida, um pouco mais escura que de sua irmã, e os olhos tão escuros que mal se distinguia as pupilas. Eram muito diferentes, tanto na aparência quando na personalidade. Sapphire era inocente demais, não conseguia enxergar maldade nas pessoas, embora não fosse estúpida. Já Dorian desconfiava das intenções alheias até que possuísse provas do contrário, fosse com o tempo, após conhecer melhor as pessoas, ou ações. Porém o que ele sentia em relação à Lucian ia muito além de apenas desconfiança, desde que o conheceu ele sentia um pressentimento horrível em relação ao homem, nunca soube explicar o porquê, mas não era o tipo de pessoa que escondia ou evitava falar sobre quando não gostava de alguém. Mas agora sua irmã havia se casado com o sujeito, estava em seu castelo e iria comer sua comida, portanto tentava manter-se calado.

Mas Sapphire percebeu a tensão entre os dois, era quase palpável. Logo o vinho começou a ser servido, uma iguaria da terra humana que nenhum outro reino conseguia superar, logo tornava-se extremamente caro fora de Hahle.

— E então...? Elle está estudando a magia arcana, Dorian tornou-se um militar de alta patente para o Rei... Este silêncio não é digno de um reencontro como este. Como está sendo finalmente estar no cargo que trabalhou tão duro para conseguir, irmão?

Dorian parecia surpreso ao ter sua atenção dirigida à ele, como se saísse de um transe, como se estivesse em algum lugar muito distante em sua cabeça, até sua irmã fazer-lhe tal pergunta.

— Bem... É muito mais complexo do que imaginei, embora soubesse que assim seria. Provavelmente seremos mandados para as fronteiras não muito tarde... Estão ocorrendo tentativas de ataques de elfos à pequenos vilarejos nas fronteiras. — Ele falava aquilo de maneira muito séria, com um ódio notável. — Malditos vermes de orelhas pontudas, sempre causando problemas para nós. — Com isto, ele pegou sua taça de ferro, que estava cheia de vinho, levando até os lábios, que de súbito esboçaram um sorriso. — Porém não vamos trazer política à mesa esta noite, sim?

Sapphire retribuiu o sorriso, levando a taça aos lábios rosados também. Percebera que a tensão continuava, então levou a mão até a mão de Lucian, acariciando com os dedos delicados. Raramente ingeria álcool, então se não tomasse cuidado iria acabar se embriagando rápido demais, já que seu organismo não possuía resistência contra o conteúdo que ingeria.

acompanhada por   Lucian Warheith