{ Q U E S T } Black Sails At Night - Amelie Mildenhall & Keith

Conseguia ouvir os trovões da tempestade enquanto caminhava rapidamente pelo convés, puxando Keith pelo pulso, esta era sua primeira incursão embora o navio houvesse atacado outras vezes, alguns preparativos precisavam ser feitos para que Keith se tornasse parte da tripulação.

As ondas se chocaram contra ambos enquanto eles praticamente corriam pelo convés, tentando chegar até dentro do navio. Amelie se segurou em um mastro, apoiando Keith pois sabia que este tinha a perna defeituosa. Olhou para ele com certa dificuldade, percebeu que ele tremia de frio. Queria aquecê-lo, queria abraçá-lo e aquecê-lo, mas não podia. Não podia se permitir a nutrir aqueles sentimentos.

Eles já se conheciam há algum tempo desde que se conheceram pela primeira vez no festival de Hahle e haviam se aproximado muito, quando Amelie não estava em incursão, estava nos aposentos que havia alugado para ele em uma estalagem. Eles sempre conversavam até tarde da noite enquanto ela bebia e o ensinava a beber, contava sobre como haviam sido os ataques e as coisas que haviam conseguido com eles. Não se importava em pagar o aluguel da estalagem, pois queria que ele fosse livre de seu "pai" e como ele não conseguia navegar ainda, e ela sim, era mais do que justo. Não esperava nada em troca.

Mas quanto mais tempo passavam juntos, mais aquela coisa dentro de Amelie crescia. Quanto mais conhecia daquele rapaz tímido, frágil e delicado, mais se... Apaixonava. E não queria admitir para si mesma, não queria sentir o que sentia pois acreditava que Keith deveria usar o dinheiro que iria ganhar nas incursões para abrir um negócio próprio, seja lá do que fosse, e encontrar alguém que não fosse uma pirata perigosa e cruel. Ela não queria que ele fosse pirata para sempre, pois acreditava que ele não havia sido feito para aquilo, e ela não acreditava que ele sentia o mesmo ou que ele merecia estar com ela... Pois ele merecia algo muito melhor. Então escondeu o sentimento dentro de si o melhor que pôde, embora algumas vezes, enquanto bêbada, deixasse escapar algumas coisas como "você tem olhos bonitos" ou "eu gosto da sua companhia mais do que deveria".

Mas naquele momento, em meio ao caos, não podia pensar no que sentia por ele, precisava apenas levá-lo até um lugar seguro. A lua de sangue brilhava sobre as nuvens densas, mas ela não se importava com aquilo. Tinha coisas mais importantes para se preocupar e a primeira delas era a segurança de Keith.

— Você não luta! — Gritou o suficiente para que ele pudesse ouvir, sob as ondas que se chocavam contra ele. — Seu lugar é dentro do navio até a luta acabar! — Ela o puxou novamente antes que outra onda se chocasse contra os dois. Caminhou rápido o suficiente para chegar até a porta e passar por ela, com Keith logo atrás dela. Dentro do navio, homens se preparavam para a batalha e ela precisava levá-lo até um lugar específico. — Claud morreu porque foi burro, queria provar que podia lutar, queria mudar de cargo, mas você não luta. —  Agora ela já não gritava mais, o arrastou pelo navio até a sala do capitão, onde ficavam os papéis, livros, pergaminhos... Era ali que ele deveria estar. Lhe entregou um casaco seco e um cobertor, vendo que ele tremia.

— Eu te disse que era uma lutadora habilidosa e que nunca havia perdido uma luta, que havia sido treinada por Flint Mildenhall... — Começou, com o cenho franzido. — Mas aqui cada batalha é uma luta por sua vida. Eu posso voltar... Ou não. Posso voltar viva ou ter meu cadáver jogado no mar, como fazem quando alguém da tripulação morre. — Sua voz era melancólica, triste. — Sou uma lutadora habilidosa, mas não sei o que vamos encontrar no Seymour... Eu posso abrir uma porta e dar de cara com um tiro na testa ou uma granada explosiva. Desculpa por não te dizer isso antes.

Olhou em seus olhos, que agora já conseguia olhar e controlar o que queimava dentro de si. Pegou sua adaga e entregou para Keith.

— Blackmore é um navio poderoso e fortificado, mas se alguém entrar aqui, você precisa disso. Ou se esconda, mas recomendo lutar. Eu te ensinei algumas coisas, não foi? Não se esqueça delas. Eu sei que você consegue, Keith. — Segurou seu rosto com as duas mãos, ouviu os canhões dispararem e a batalha começar. — Você é mais forte do que pensa. E se eu não voltar... — Ela olhou em seus olhos profundamente, ouvindo a batalha ecoar no fundo. — Você é bonito e muito especial. Quem tiver a sorte de ser sua algum dia, será a pessoa mais sortuda do mundo. — Soltou seu rosto e se afastou, virando-se para a saída.

Começou a caminhar em direção a saída e ao chegar perto da porta, virou-se brevemente para Keith.

— Assim que eu sair, tranque essa porta e se esconda atrás da mesa de escrita. Se alguém... — Foi quando aconteceu.

Keith caiu no chão, de início Amelie pensou que era por conta da movimentação do navio, mas logo ouviu os gritos e gemidos de dor dele. Ele havia soltado a adaga assim que despencou no chão de madeira. Amelie trancou a porta completamente e correu para socorrê-lo, não sabia o que estava acontecendo, só sabia que a pessoa que ela mais se importava no mundo estava gritando e se contorcendo no chão. Seu coração pulsava rápido e doía.

— Keith, o que... — Ela segurou seu rosto enquanto ele se contorcia no chão, fazendo-o olhar para ela. — O que está acontecendo? — Havia dor em sua voz, muita dor. Nunca havia sentido tanta dor antes. Não sabia o que fazer, não sabia como prosseguir, estava perdida.

Ouvia as súplicas de Keith, mas não havia nada que ela pudesse fazer. Logo Flint iria aparecer batendo na porta a chamando para batalha, estava atrasada pela primeira vez para proteger... Alguém que amava.

— Eu não posso prometer que vou voltar, desculpa... Desculpa... — Sua voz era baixa e triste enquanto caminhava para sair. — Não se preocupe, temos muitos homens e muitos recursos e já atracamos no navio deles, a tempestade não será problema.

E então nada disso importava, lá estavam eles no chão, ele gritando de dor e tentando falar, então sentiu sua pele esquentando e esquentou mais, e ouviu seus ossos começarem a quebrar. Ele era um lobisomem? Não entendia o porquê de ele ter escondido isso dela. Não queria pensar nisso, não queria pensar que ele escondia coisas dela. Engoliu em seco enquanto segurava seu rosto mais forte e se aproximando mais.

— Keith, olha pra mim! — Exclamou alto, sua voz trêmula e seus olhos ardendo com lágrimas que teimavam em escorrer por sua face já molhada. Segurou seu rosto com mais força. — Tá tudo bem, eu tô aqui... Eu tô aqui... — Murmurava tentando olhar em seus olhos, mas ele apenas gritava de dor enquanto suas roupas rasgavam e seus ossos quebravam.  

Foi quando uma batida ecoou por todo aquele grito. Ela afastou o rosto dele rapidamente olhando para a porta. Ao perceber que estava trancada, a pessoa começou a bater mais forte.

— AMELIE!! — Reconheceu a voz de Flint. — QUE PORRA TÁ ACONTECENDO AÍ DENTRO?!! — Ele tentava abrir a porta, batia. — PRECISAMOS DE VOCÊ NA BATALHA, ABRE A PORRA DA PORTA AGORA!!

Olhou para Keith que urrava de dor e olhou para a porta. Levou alguns segundos para pensar. Merda. Merda. MERDA.

— Fique aqui. — Não sabia se nesse ponto ele conseguia ouvi-la, mas levantou rapidamente, correndo até a porta e a abrindo, tentando ficar a porta e Flint, impedindo-o de ver o que acontecia no chão. — Eu estou indo agora!

Quando avançou para sair, Flint a empurrou e entrou no recinto. Ele observou o rapaz no chão por alguns segundos antes de se virar para ela e avançar em sua direção a empurrando na parede.

— VOCÊ TROUXE UM LYCAN PRA TRIPULAÇÃO?!! — Gritava com ódio. — QUE PORRA VOCÊ TEM NA CABEÇA DESDE QUE CONHECEU ESSE GAROTO, AMELIE?! — Sentia a fúria em sua voz e seus olhos azuis estavam arregalados. E então de repente, o olhar de Flint foi de ódio para um brilho que ela conhecia bem. Ele acabara de ver vantagem na situação e ela sabia disso. — Ele vai no Seymour. — Flint disse, com voz firme e grossa.  

— Ele não vai! — Pela primeira vez na vida, Amelie havia ido contra seu capitão. Ele se aproximou dela e rapidamente tirou a adaga, cravando na parede ao seu lado.

— Eu não sei que tipo de afeição você formou por esse garoto, criança... — Sua voz era de ódio novamente. — Mas se quiser continuar no Blackmore, ele vai no Seymour. — Seus olhos estavam arregalados, estava com medo pela primeira vez na vida. Flint se afastou, então, olhando o rapaz se contorcendo no chão. — Assim que ele se transformar, traga para o convés.

E então saiu, Amelie respirava rapidamente, suas mãos tremiam. Correu novamente para Keith, a transformação agora mais avançada. Segurou seu rosto novamente que já se deformava.

— Desculpa... Desculpa... — Pela primeira vez em muito, muito tempo, Amelie estava chorando. Entre soluços e gemidos de dor, vindo de si mesma, murmurava. — Desculpa, meu amor... Desculpa... — Não sabia se ele conseguia entender o que ela falava, mas não se importava. Naquele momento não se importava em esconder o que sentia.

Amelie nunca havia estado à frente de um lobisomem antes, mas sabia que eles eram gigantes pelas histórias que ouvia. Por que ele era tão menor do que os outros? Ele estava distante, se afastara dela, parecia um pouco consciente. Ela engoliu em seco, não iria puxar suas armas, não iria machucá-lo, mesmo que ele a atacasse.

— Keith, você está aí? — Sua voz era alta o suficiente para ser ouvida, mas embora ela tentasse esconder as lágrimas, não conseguia parar de chorar. — Eu... Tentei... Mas Flint quer você no Seymour. Ele sabe o que você é. Desculpa.

Entre os soluços, tentava enxugar as lágrimas.

— Eu sei como você se sente sobre matar outras pessoas... — Se sentiu segura o suficiente para se aproximar, notando que ele havia algum tipo de controle sobre o que era. Ela também não se importava se ele a atacasse, seria uma morte feliz. — E eu tentei... Mas você precisa fazer isso hoje, tá? Keith, a tripulação do Seymour usa roupas brancas, a tripulação do Blackmore usa roupas pretas e a maioria se pinta de preto. Eu preciso que você mate todos que usarem branco, quebre suas armas se tentarem te atacar, destrua seus pescoços com seus dentes, e o mais importante. — Ela olhou em seus olhos que agora brilhavam dourado.  — Não. Pense. Em mim. — Disse as palavras em alto e bom tom, fazendo sinal para que ele a seguisse para o convés. Flint já havia avisado a toda tripulação que teriam um lycan naquela noite, e todos pareciam muito animados ao ver Keith sair com Amelie de dentro do navio. Chovia muito, mas os que restavam, que iam lutar, incluindo o capitão, correram para Seymour, correndo pela prancha, e Keith fez o mesmo.

Ao chegar lá foi quando a batalha começou para Amelie, ouvia os rugidos de dor excruciante aqui e ali e sabia que isso era Keith. Ela puxou as duas espadas e começou a batalha. Matou vários homens naquela noite, entre a tempestade e os gritos, as explosões. Entretanto, de repente, alguém a derrubou no chão. A água do mar se chocou contra os dois e ela começou uma luta física contra o homem que era maior do que ela, socou seu rosto, tentou sufocá-lo, ele pegou sua espada e ela conseguiu pegar de volta uma das suas, as espadas se travaram enquanto ele estava em cima dela. Tentou resistir com sua espada e quase conseguiu, mas então algo aconteceu. Ele conseguiu derrubar a espada de Amelie e rapidamente cravou sua lâmina no abdomen da mulher. Ela gritou de dor, não conseguiu cravar mais fundo pois um dos homens de Blackmore o matou antes. E Amelie levantou-se, com dificuldade, pegando sua espada novamente. Estava sangrando e sabia disso, mas precisava continuar a batalha.

Amanheceu e estava ensolarado, todos da tripulação pareciam muito animados com os eventos da noite anterior, com Keith. Eles falavam sobre como ele havia destroçado vários homens e como foi fácil dominar o navio graças à ele. Keith agora era um membro honrado, quando não fosse lua de sangue iria cuidar da papelada, para não precisar lutar, mas agora parecia essencial nas luas de sangue. Por onde passava os homens o comemoravam, batiam em seu ombro, riam e falavam sobre como ele havia sido incrível na noite anterior.  Ele até havia ganhado roupas de pirata, já que suas roupas tinham se destruído na noite anterior.

Amelie acordou finalmente, com toda aquela comoção. Flint estava sentado à sua frente e iria falar alguma coisa quando ela tossiu. E tossiu novamente, mas dessa vez uma camada espessa de sangue foi expelida. Ele levantou rapidamente e saiu dos aposentos, indo chamar um médico. Ela então sentiu dor, muita dor, e lembrou-se que na noite anterior tinha tido uma espada cravada contra seu abdomen, provavelmente seu estômago. Tossiu novamente, gemeu alto de dor. Seu gemido podia ser ouvido do lado de fora. Não conseguia levantar da cama, ainda vestia as vestes da noite anterior.

— M-Merda. — Grunhiu entre os dentes, estava tonta. Logo o médico da tripulação surgiu e ordenou que ela se deitasse na cama, começando a examinar sobre sua roupa, o estrago que o homem havia feito.

Ao ouvir a porta se abrir, Amelie não virou-se para ver o que era, mas ao ouvir sua voz, quis se levantar, mas não podia. Não conseguia. Estava tonta.

— Keith... — Sua voz era baixa, fraca. Ela estava perdendo muito sangue, mas ter ele ali fazia a dor ser menor. Haviam lhe dado bastante álcool, ela estava embriagada demais e fraca demais para formar frases coerentes, mas tentou. Outros homens entraram nos aposentos, com itens que seriam necessários. — Eu... O filho da puta me... E-Enfiou a espada na minha barriga. Mas eu lutei mesmo... Mesmo a-assim...

Mesmo com dor, ela sorriu para ele. O médico virou-se para Keith, com o olhar preocupado. Amelie era um membro essencial da tripulação, mas sua vida... Bem, sua vida estava por um fio. Ele suspirou.

— Eu também estaria exaltado se eu fosse você, garoto... — Olhou nos olhos de Keith. — Precisamos tirar as vestimentas de cima agora! Eu preciso investigar melhor o ferimento. —Não falava para Keith, mas para os ajudantes, que começavam a despir Amelie. Embaixo das roupas apertadas e pesadas de pirata, ela tinha um físico magro, tiraram a parte de cima de sua roupa, a blusa branca e fina que cobria sua pele estava enxarcada de sangue. — Tesoura. — Começou a cortar a vestimenta, expondo o ferimento. — Merda.

Então olhou para Keith, um olhar sério, podia ver em seus olhos que ele estava preocupado.

— Eu vou ser sincero com você, garoto... — Sua voz era firme. — Se você se importa com ela, sugiro que esteja do lado dela agora e não fazendo perguntas porque eu não sei quanto tempo de vida ela têm. O ferimento foi profundo, vamos ter que abrir o suficiente pra costurar o corte por dentro! —Dizia isso para todos ali, um dos ajudantes saiu para buscar mais bebida. Ela iria precisar. — Ela está e vai perder muito sangue e já está fraca demais. Eu sugiro que você diga seu adeus antes que seja tarde.

O médico então olhou para Amelie, que olhava para Keith com um sorriso embriagado no rosto.

— Amelie... — Falou alto para ela. — Vamos ter que abrir você. Vai doer. Vamos fazer de tudo pra salvar sua vida, mas preciso ser honesto com você... — Antes que ele pudesse terminar ela tossiu, não foi uma tosse qualquer. Uma quantidade grande de sangue foi expelida da tosse. — Amelie, você provavelmente vai morrer.

Ela riu, uma risada cômica.

— Eu aguento dor, d-doutor Elliot... — Foi sua resposta para o que ele disse para ela. Logo o homem que havia ido pegar álcool voltou e entregou para Amelie, ela levantou a cabeça o suficiente pra beber tudo num gole. Fez uma careta. Aquilo era muito forte. — Keith... — Estendeu a mão suja do próprio sangue, de maneira fraca, pedindo para que ele se aproximasse.  Ele se aproximou e segurou sua mão, então começou. O médico estancou o sangue que saía com panos, precisaria de muitos panos. Então pegou a faca, posicionou e olhou para Keith, um olhar sério. Um olhar que dizia "é agora". Então perfurou a carne de Amelie e começou a rasgá-la o suficiente para que conseguisse acessar a ferida principal. Pegou panos e começou a estancar o sangue até conseguir acessar a ferida. Amelie grunhia em dor, mas o álcool fazia a dor ser mais suportável. Ela apertava a mão de Keith com toda força que ainda tinha.

O médico então começou a mexer na ferida por dentro, Amelie não aguentou e gritou de dor. Xingando todos os mares. Ele começou a mexer, pegou uma agulha grossa e linha. Ela perdia muito sangue.

— Keith... — Sua voz estava mais fraca, seus dedos apertavam de maneira menos forte. — Eu te amo, K-Keith. — Sorriu para ele, um sorriso fraco. Seu rosto estava pálido e ela grunhiu novamente quando o médico começou a estancar o sangue e enfiar a agulha no corte interior. — Porra! — Gritou com o pouco de força que tinha. O médico murmurou um "desculpe" antes de continuar o processo de costura.

E então a visão de Amelie começou a ficar escura. Os dedos que seguravam a mão de Keith começaram a soltá-la. Os panos eram enxarcados de novo e de novo, jogados no chão enquanto o médico continuava o processo. Mas por algum motivo Amelie começava a não sentir nada. Tudo começava a ficar dormente, sua visão escurecia e ela já não conseguia mais olhar para o homem que amava. Então tudo ficou escuro e ela perdeu a consciência. Sua mão caiu sobre a cama, sua cabeça pendeu para o lado. O médico olhou preocupado.

— Cheque o pulso! — Ordenou para um dos ajudantes, que caminhou até ela e levou os dedos pressionando seu pescoço, em seguida seu pulso.

— Muito fraco, mas ela ainda tá viva. — Ele disse e o médico suspirou de alívio. Provavelmente havia desmaiado pela perda de sangue ou pelo choque físico. Ele continuou a costurando.

— Nos meus anos de experiência isso não quer dizer muita coisa, continuem checando o pulso dela enquanto eu costuro! — Ordenou, o ajudante fez que sim com a cabeça. — Uma pena... — O médico murmurou. — Ela era uma ótima lutadora. — Falava como se Amelie já tivesse morrido, pois acreditava que era uma causa perdida, apenas desperdício de recurso, mas continuou porque sabia que até que seu coração parasse, ele teria que tentar.

O médico continuou o processo e o ajudante checava seu pulso com frequência, que cada vez ficava mais fraco e mais fraco e mais fraco...

— Estamos perdendo ela!! —Ele gritou e começou a fazer o processo mais rápido, todos começaram a fazer o processo mais rápido. Costurava a ferida interna como se o mundo dependesse disso, os panos de sangue encharcavam e eram jogados no chão com rapidez, o médico suava, então terminou a ferida interna. — Panos! — Gritou mais uma vez, pegou os panos, estancando o sangue que teimava em sair do corte. Quando conseguiu estancar o suficiente começou a costurar a ferida de fora. — Cheque o pulso! — Ele gritou para o ajudante, o rosto suado.

— Ela... — A voz do ajudante era baixa. — Ela morreu doutor. — O tempo parou por alguns segundos, todos ficaram tensos, um dos ajudantes deixou o item que tinha cair. Elliot respirou fundo, uniu força. O médico levantou-se com rapidez, afastando o ajudante, com raiva. Pressionou o pescoço, onde a jugular dela se encontrava e depois de alguns segundos suspirou. A pulsassão estava muito, muito fraca, quase parando, mas não havia parado ainda.

— Ela não morreu, caralho! Você não está checando o lugar certo! — Então voltou para seu trabalho, continuando a costurar. Costurava com rapidez e pegou um dos panos, estancando o sangue que ainda saía da ferida externa. Pegou bandagens. — Precisamos tirar a blusa dela para isso. — Olhou para o rapaz, que estava muito atordoado, mas continuou. Uma das mulheres correu até Amelie e afastou Keith, tirando a blusa dela com rapidez, expondo seu torso. Apesar de não aparentar, por sempre usar roupas apertadas e pesadas, ela possuía por baixo de todo aquele pano, seios fartos, mas não se sentia confortável em demonstrar pois não queria homens a olhando. O médico começou a limpar a área que havia terminado de costurar com um pano cheio de água, limpou o sangue em seu torso, evitando chegar perto dos seios, e começou a fazer a bandagem, que ia da barriga, passando pelo ombro esquerdo. Ao terminar checou a jugular dela novamente e respirou fundo. — Essa foi difícil... Está estável. Ela vai sobreviver dessa vez.

Parecia que todos ali deixaram a tensão se aliviar, e após pegar todos os itens e panos sujos, o médico saiu junto com seus ajudantes, deixando apenas uma, uma mulher.

— Você quer fazer isso? — Keith não respondeu, então ela mesma tirou as roupas de baixo de Amelie e começou a lavá-la, com rapidez, ao terminar vestiu-a com uma camisola branca e trocou os panos da cama para panos limpos, embora fosse um pouco difícil porque Amelie estava nela. — Acho que vai querer cuidar dela. — Então a mulher puxou uma cadeira e pôs ao lado da cama, saindo em seguida.

Os cabelos vermelhos se moveram levemente enquanto ela acordava de sua inconsciência, horas depois. Haviam deixado uma garrafa do álcool que haviam dado a ela, dizendo a Keith que ele deveria fazer ela tomar assim que acordasse pois ela iria sentir muita dor. Amelie abriu os olhos, lentamente, tentando se lembrar de onde estava e o que havia acontecido. Não se lembrava de muita coisa, apenas de sentir muita dor pois havia estado embriagada demais para se lembrar. Apenas vestia uma camisola branca grossa, com um cobertor que Keith havia colocado em cima dela, estava sem seu chapéu, seu rosto estava limpo, então podia-se ver seus traços e seu cabelo ruivo escuro com facilidade. Ela não gostava de estar daquele jeito. Grunhiu de dor ao recobrar os sentidos, xingando o ar, quando ia se levantar olhou para o lado e o viu. Keith estava ali. Ela engoliu em seco, se lembrara do que havia dito para ele. Seu peito ardeu em agonia, o álcool fazia coisas horríveis. Sua expressão era desolada, preocupada, triste. Deitou-se novamente, com dificuldade, sabia que não iria poder levantar-se por um tempo, mas era teimosa. Grunhiu de dor novamente.

— Keith, eu... Porra! — Sua voz frustrada. Evitou olhar para ele. — Desculpa pelo que eu te falei durante a cirurgia.

Evitava seu olhar, seus olhos encheram de lágrimas. Estava vulnerável, ele a deixava vulnerável demais.

— Eu nunca pensei que admitiria essa merda, mas eu te amo. — Os olhos marejados que agora derramavam lágrimas fitavam o teto. Ela grunhiu de dor novamente. — Eu te amei, acho que desde que te conheci. Mas você não me merece, Keith... — Queria dizer que ele não a merecia porque ela era boa demais, mas não conseguia mentir.  — Eu... — Grunhiu novamente, mas logo se recuperou. Tinha uma alta tolerância para dor. — Você não foi feito pra essa vida e eu sou uma pirata, uma ladra, eu vivo disso e vou viver disso até eu morrer. Mas você... — Olhou para ele dessa vez soluçando, pois não queria pensar naquelas palavras, mas precisava dizê-las. — Você precisa pegar o dinheiro que conseguir nas incursões e abrir um negócio próprio em Hahle. Você é inteligente, vai conseguir pensar em alguma coisa. E o mais importante: Quando estiver com seu negócio e tiver a porra de uma vida digna, você vai encontrar uma moça... — Ela soluçou ao dizer as palavras finais, droga! — E ela vai ser tudo que eu não sou, tudo de bom, tudo que você merece. E vocês vão casar, cuidar dos negócios juntos e um dia ela vai te dar filhos lindos. Porque você é lindo, e você vai ter uma vida que nunca sonhou que poderia ter, longe de toda essa morte. Eu juro que te visito quando voltar das incursões e te conto sobre como elas foram e posso trazer coisas pra vocês... E ensinar seus pirralhos a serem hábeis como eu sou... — Ela riu, uma risada triste. — Mas eu nunca vou deixar de ser isso, eu nasci pra isso e você merece ter uma vida longe do mar...  — Desviou o olhar novamente, agora para o lado, virando o rosto. — Longe de mim.

Amelie enxugou as lágrimas e enquanto o fazia grunhiu de dor novamente. Colocou a mão sobre a barriga, mãos que agora estavam limpas e eram delicadas.

Amelie ouviu as palavras de Keith com atenção, então virou-se para ele rapidamente, sua mente girou, mas ela continuou.

— Se você se chamar de pobre deformado novamente, eu vou quebrar seu nariz com um soco. — Não aceitava que ninguém se dirigisse à ele de forma desrespeitosa, nem mesmo ele mesmo. — Sim, você é lindo. Foda-se se você tem a perna defeituosa, ninguém é perfeito, caralho. Eu sou cheia de cicatrizes e elas não são bonitas de se ver, acabei de adquirir mais uma.

Ela ouviu suas palavras, olhando para seu rosto agora. Riu com o que ele dissera no final.

— Keith... Você não sabe o que fez na noite anterior, sabe? Você me protegeu, o que aconteceu comigo não foi culpa sua, foi culpa minha, mas se você não estivesse no Seymour, eu provavelmente teria meu cadáver jogado no mar. Eram muitos homens e você os destruiu completamente, metade da tripulação, isso não é proteger, porra?! — Estava exaltada, mas continuou ouvindo pois achava que ele precisava falar, ela notou que tinha alguma coisa que ele não havia falado para ela e estava tentando. Foi quando ele revelou para ela o que ele era. Seus olhos se arregalaram, ela parou para processar a informação por um momento. Era por isso que ele mancava e tinha defeitos, era por isso que ele era menor do que os olhos lobisomens, agora tudo fazia sentido em sua cabeça, era como se todas as peças agora se encaixassem.— Tá tudo bem. — Sua voz era séria, aquela frase deveria surpreendê-lo. Ela se aproximou.  — Keith, tá tudo bem. Você não é a porra de uma aberração. Sabia que na tripulação temos 3 impuros? Um deles é o cozinheiro e ele é meio insano, mas todo mundo gosta dele. Ninguém liga se eles são impuros ou não. — Ela grunhiu, precisava beber. Continuou. — Você é apenas o primeiro impuro de lycan. E pelo visto todos te adoram agora, eu ouvi a comoção quando acordei de manhã, se souberem que você é impuro sabe o que vão fazer? Porra nenhuma. Ninguém liga! Eles só querem que você continue fazendo o que fez na noite anterior. E o mais importante: Eu não dou uma foda pra você ser impuro ou não. Keith... O meu amor por você vai além dessas merdas. — Ela tentava não se mover, mas segurou o rosto dele com as duas mãos. — Eu vejo impuros como seres especiais... E você é especial. Nunca se envergonhe de ser quem é. — Então ouviu a última parte, sobre ela estar delirando por estar gostando de alguém como ele. Sua expressão se tornou séria. — Eu já delirei muitas vezes, mas essa não é uma delas. — Então ouviu o que ele disse, sobre ela não ser mais pirata e começarem do zero. Tentou rir, mas apenas grunhiu de dor, com um sorriso no rosto Amelie se aproximou de seu rosto, o segurando com as duas mãos, agora que estavam próximos o suficiente ela corou ao vê-lo tão próximo de si. — Isso é um sonho inalcançável, eu nunca vou poder deixar de ser pirata, porque essa é minha vida. É o que eu escolhi. Se por pura insanidade você quer estar comigo... Como... Um casal... — Gaguejou nas últimas palavras. — Você vai ter que ser pirata também. — Sua voz era séria, ríspida. Não era o que ela queria para ele. Franziu o cenho. — Tem certeza que é isso que você quer pra si mesmo por causa da pirata mais perigosa dos mares? Tem certeza que é isso que você quer fazer pelo resto da sua vida? Eu não posso ter uma vida normal, Keith. Isso é tudo que eu conheço, o mar me acalma, essa é a vida que eu escolhi pra mim, mas eu não quero que você escolha essa vida pra si... — Seus olhos encheram de lágrimas novamente. Seus olhos estavam fixados no dele. — Porra! Pegue o dinheiro que conseguir e abra um negócio pra si, tenha uma vida normal... — Ela insistiu, mas viu que aquilo já não ia a lugar nenhum. Grunhiu de dor, agora mais alto. — Se me permite dizer... Foda-se. Você é o homem que eu amo e se vir comigo, eu vou te proteger quando você não puder proteger a si mesmo... Eu te amo. Eu te amo tanto...

Sua voz agora era delicada e baixa, embriagada por paixão. Olhava fixamente nos olhos de Keith e pela primeira vez sentiu como se alguém fosse uma extensão de si, alguém que ela deveria proteger e cuidar com unhas e dentes. Pela primeira vez alguém além de Flint era alguém pelo qual Amelie morreria por.

Foi surpreendida por um beijo. Seus lábios se tocaram levemente. Ela tinha uma habilidade que havia adquirido há muito tempo de ler as pessoas mesmo quando elas não falavam nada, mesmo nas mais sutis ações, mesmo com um leve beijo. Desconfiou, mas não disse nada. Quando ele se afastou e disse aquilo, ela sorriu, um sorriso de felicidade. Não queria que ele fosse um pirata, mas não conseguiria ficar longe dele, não conseguiria se afastar dele, mesmo se ele seguisse o curso de vida que ela havia planejado para ele, mesmo que ele encontrasse outra pessoa... Mas ele queria ficar! Ela sorriu e o beijou novamente, pressionou os lábios contra os dele de maneira mais forte, ao sentir os lábios dele nos dela agora, ela confirmou o que havia desconfiado: ele era completamente inexperiente. Achou isso adorável, sua inexperiência.

Começou então a guiá-lo, beijá-lo com mais intensidade, segurava seu rosto enquanto o fazia. Seus rostos se tocaram, então ela começou, delicadamente, a abrir caminho entre os lábios de Keith com a língua, ele não protestou, na verdade ele parecia submerso num oceano de paixão. Então começou, gentilmente, a guiar sua língua com a dela, o beijando de verdade agora. Logo suas línguas estavam dançando num beijo apaixonado que havia sido aguardado por ambos por muito tempo. A intensidade aumentava à medida que eles se beijavam, então ela tirou uma das mãos de seu rosto e enfiou nos cachos loiros e desgrenhados de Keith, levemente de início, mas suas línguas dançavam uma dança que se intensificava cada vez mais e o beijo ficava cada vez mais intenso. E mais intenso. E os dedos de Amelie se enterraram mais profundamente, agora puxando o cabelo de Keith.

Ela já não conseguia mais controlar as próprias ações e o puxou com força para cima de si, tirando com a mão livre o cobertor. Segurou seu rosto com a mão novamente, enquanto o beijava, aproximou seu corpo do dela, não o suficiente para se tocarem ainda. Então o beijo ficou mais intenso e ela enterrava a língua dentro de sua boca como se o mundo dependesse daquilo, pressionava os dedos contra seu cabelo de forma feroz, sem perceber exatamente o que fazia.

Amelie abriu as pernas e puxou o corpo de Keith contra o seu, sem se importar com nada. Ofegava e então aproximou a parte inferior de Keith contra a sua, entre as roupas, a camisola ainda cobria sua própria parte inferior, mas estavam tão próximos. Ela aproximou mais ainda, colocando uma de suas pernas no quadril do rapaz, a camisola que cobria a perna agora caindo na cama. Quando pressionou seus quadris, na área exata onde deveriam estar caso estivessem sem roupa, ela quase conseguiu sentir o efeito que aquilo estava causando no rapaz em sua intimidade, mesmo com as roupas pesadas de pirata. Ele era realmente inexperiente.

Levou os lábios até seu pescoço, dando espaço para que ele falasse algo entre respirações rápidas e pesadas. Começou a beijar seu pescoço, chupá-lo, levando a mão que antes estava em seu rosto para entre a área inferior dos dois.  

— O cinto... — Sua voz estava grogue, fina. Ele nunca havia a ouvido daquela forma. Começou a desbotoar com rapidez o cinto de Keith enquanto levantava a camisa de sua própria parte de baixo. Levou os lábios até os dele novamente, continuou o beijando com uma paixão inexplicável, pegou uma de suas mãos que se apoiavam na cama e levou até seu seio pressionando os dedos dele contra sua carne. Isso fez ela gemer baixo enquanto o beijava e quando estava quase conseguindo tirar a calça de Keith, entre um beijo intenso, entre mãos bobas em sua parte íntima sobre a calça, entre o toque e a paixão...

A porta foi aberta bruscamente.

Keith deu um pulo, assustado, se chocando contra a parede e Amelie, também completamente surpreendida, levantou-se numa rapidez enorme, sentando-se na cama, cobrindo a parte do seu corpo que estava despida. Ela ofegava, suas bochechas estavam completamente vermelhas, sua respiração estava rápida. Seus olhos cravaram na porta tão rápido quanto conseguia e ia xingar ou gritar, exaltada, falando para baterem antes de entrar na porra de um quarto, mas não conseguiu, pois não se permitia falar assim com a pessoa que estava parada na porta, surpreso.

— Desculpe, eu não... — Flint engoliu em seco, com a sobrancelha erguida, o cenho franzido. — Sabia. — Ele limpou a garganta. — Desculpe interromper os dois, mas eu precisava vir aqui. — Ele caminhou para perto da cama, ainda com o cenho franzido. Era a primeira vez que via Amelie daquele jeito, fitou-a por alguns segundos e fitou o rapaz que estava contra a parede. Tirou do bolso de sua capa preta uma bolsa, e de dentro dela duas bolsas de pano pequenas que tilintavam. — Cinco mil moedas de Kham. — Sorriu para Amelie, que ainda estava sentada da mesma forma, com a mesma expressão no rosto. — Dois mil e quinhentos para cada. — Ele entregou uma das bolsas para Amelie e outra para Keith. — Graças à você, rapaz. — Embora Keith ainda estivesse paralisado encostado na parede, Flint abriu um sorriso para ele, com os olhos brilhando. — Seja bem-vindo ao Blackmore. — Virou-se para sair, para deixar os dois sozinhos novamente, mas logo pareceu se lembrar de algo. — Ah, sim! — Voltou novamente para perto da cama e de dentro de sua capa tirou uma arma e entregou para o rapaz.  — Um presente que encontramos no Seymour, graças ao que fez ontem. Você merece. — Então Flint virou-se para a porta e caminhou, rapidamente, fechando-a novamente.

Amelie grunhiu de dor agora mais alto, já que recobrara os sentidos lentamente. Havia se levantado muito rápido e suas feridas doeram como o inferno. Ela colocou a bolsa de dinheiro na cadeira ao lado da cama e pegou a garrafa que haviam colocado num banco ao lado da cama, engolindo o líquido com rapidez. Precisava ficar bêbada para que a dor fosse menor. Ao terminar, fez uma careta e limpou a boca, frustrada, jogando a garrafa no chão.

— Merda! — Estava claramente frustrada com toda aquela situação, com o fato de Flint ter aparecido para entregar os ganhos logo naquela hora. Sua voz exalava raiva e ela grunhiu de dor.  

Amelie ouviu Keith falar sobre ela dormir e gargalhou, grunhindo de dor em seguida. Estava muito frágil. Virou-se para ele, se recuperando, ainda ofegante.   

— Eu não quero dormir. — Estava séria, mas deixou um sorriso escapar ao olhar em seus olhos e seu rosto vermelho. O rosto dela também estava vermelho, mas era diferente em sua concepção. Aproximou-se dele, que ainda estava com o olhar assustado e desorientado. Sentou-se ao seu lado e pegou seu rosto, olhando para ele e trazendo seus lábios para os lábios de Keith. Beijou-o novamente, suas línguas dançando dessa vez de maneira mais tranquila e ao se afastar grunhiu de dor, mas manteve o rosto próximo do dele.

— Você nunca fez isso antes. — Ele não precisava dizer nada, ela sabia. — E eu preciso admitir uma coisa... — Abriu um sorriso brincalhão. — No festival, quando eu disse que havia ido ao bordel várias vezes e tido várias experiências, eu não menti... — Continuou, acariciando seu rosto. — Mas não foi desse tipo. Eu só fodi uma pessoa e foi uma merda, honestamente achei que seria melhor do que aquilo, mas foi uma merda... — Sabia que ele iria ficar transtornado com aquilo, mas precisava continuar. — As experiências que eu tive, foram aqui. — Apontou para sua cabeça. — Eu te disse que tenho habilidades que adquiri durante meus cem anos de vida... Uma delas é ouvir conversas, observar, sem que ninguém me note. Então eu ia nos bordéis junto com alguns membros da tripulação e eu ficava nas mesas, ouvindo as conversas das prostitutas, assistindo elas os seduzindo, beijando, essas merdas. Ouvia elas falando o que iam fazer e às vezes espiava por alguns segundos o que elas faziam nos quartos. Então eu aprendi algumas coisas, apenas ouvindo e assistindo, mas não fazendo. — Suspirou. — E pra ser honesta, o que a gente teve aqui agora foi a melhor coisa que eu já senti, mesmo não consumando, melhor do que o que eu fiz anos atrás. — Então ela começou a sentir o efeito do álcool e a dor começou a diminuir. Gargalhou soltando seu rosto e se encostando na parede.

Amelie olhou para o nada e em seguida para Keith de novo. Um sorriso brincalhão em seu rosto.

— Eu quero te mostrar uma coisa. — Ela respirou fundo e se pôs em frente a ele, com dificuldade. Então o beijou intensamente novamente, descendo a mão por seu torso, até chegar no seu cinto, o abrindo de novo. O beijava, tentando fazê-lo não se preocupar tanto com ela, tentando fazê-lo sentir o que estava acontecendo naquele momento e focar naquilo. Quando expôs sua intimidade, ela afastou o rosto dele e olhou rapidamente para o local, olhando para ele em seguida com o um olhar brincalhão. — Tente não fazer muito barulho. — Então antes que ele pudesse falar ou fazer qualquer coisa, ela desceu o rosto até sua área inferior, envolvendo os lábios em seu membro e começando o processo. Quanto mais ele arfava e gemia, mais rápido ela fazia, sentiu ele colocando a mão em sua cabeça e quis rir, mas sua boca estava ocupada, então rápido demais por ser inexperiente, ele terminou. Ela engoliu todo o líquido e limpou a boca em seguida, vestindo-o novamente.

Grunhiu de dor, dessa vez com menos intensidade ao se sentar de novo e tinha um sorriso brincalhão no rosto. Sentou-se ao seu lado novamente enquanto observava ele suado, arfando, se recuperando.

— Não sei se eu fiz direito, mas acho que não há objeções. — Amelie riu o fitando.

Uma mulher, a ajudante anterior, bateu na porta e entrou com outra garrafa do álcool. Ela não sabia se a mulher havia estado do lado de fora por todo aquele tempo esperando, mas não se importava. Ela entregou a Amelie, que bebeu num gole só, aquilo era muito forte, mas ela já estava começando a ficar dormente e não sentir mais o efeito. Entregou a garrafa vazia e gargalhou, a mulher sorriu para ela, olhou para Keith e saiu.

Ainda assim, ela grunhiu de dor, a posição que havia ficado para fazer o que tinha feito havia trazido dor para suas feridas. Ela pôs a mão sobre a barriga, mas olhou para Keith, que parecia estar em outro mundo.

— Eu precisava disso. Das duas coisas, na verdade. — Riu novamente, ainda o fitando.

Ouviu as palavras de Keith enquanto sorria, quando ele brincou sobre sair, quase exclamou "não!", mas logo percebeu que ele estava apenas brincando, então deixou uma risada escapar.   

— Sim, eu sou teimosa. — Ria enquanto olhava para ele, Keith a deixava feliz. Levou sua mão até o rosto suado dele, ele parecia cansado, depois da batalha, depois da cirurgia, depois do que acontecera entre os dois. Ela não estava cansada, apenas embriagada. — Venha. — O puxou e deu espaço para ele deitar na cama, Keith se deitou e ela deitou ao seu lado, virada para ele, o olhando nos olhos. — Você é lindo. — Ela murmurou, levou a mão até seu rosto, acariciando, o vendo sorrir enquanto seus grandes olhos azuis se fechavam. — Descanse, meu amor... — Nunca imaginou que iria chamar alguém daquilo, ou falar com alguém daquele jeito. Começou a passar os dedos por seu cabelo loiro, por seu rosto, traçando caminho da testa até seus lábios gentilmente.

Então depois de um curto período de tempo, Keith adormeceu, ela o observou dormir por muito tempo até que o sono a levou também e quando acordou era ele que assistia ela dormir agora. Sorriu, mas logo grunhiu de dor. Alguém havia deixado outra garrafa ao lado da cama enquanto eles dormiam, então ela se levantou com cuidado e bebeu tudo num gole só, fazendo careta. Não sabia que bebida era aquela, mas era muito forte. Já estava de noite, ela notou.

— Meu amor... — Murmurou enquanto deitava novamente. — Pode acender as velas? — Ele bocejou e fez que sim, levantando-se, mas percebeu que não tinha nada para acender as velas. — Você vai precisar pegar na cozinha. — Ela sorriu para ele, que sorriu de volta e logo saiu. Amelie se sentiu vazia naquela escuridão sozinha sem ele ali. Grunhiu de dor novamente.

Enquanto Keith caminhava, com dificuldade pelo convés, procurando a cozinha, alguns homens o pararam, estavam bêbados.

— Parabéns, garoto... — Um deles disse rindo. — Você conquistou o coração de pedra de Amelie! — Eles deram tapas em seu ombro e continuaram caminhando em seguida. Parecia que a mulher havia espalhado o que havia visto e agora toda tripulação sabia. Keith continuou caminhando, ou melhor, mancando, rápido, até finalmente encontrar a cozinha. Nela estava o cozinheiro que também era um impuro de Gwrach e humano. Ele era meio insano e falava coisas meio sem sentido algumas vezes, tinha uma deformidade aparente no rosto, um dos olhos era cego. Ao ouvir que Keith precisava de algo para acender as velas, o cozinheiro virou-se para ele, em sua insanidade e com os olhos arregalados exclamou:

— Você não pode queimar, tem que jogar o corpo dela no oceano, é como a gente faz por aqui. — Por um breve período, ele havia esquecido que Amelie não estava morta. — Eu gostava dela. Ela me protegeu quando invadiram o navio uma vez e tentaram me matar. Eu gostava dela...

Ele murmurava, afogado em sua loucura, mas voltou a fazer seu trabalho. Keith então viu os fósforos na mesa da cozinha e cuidadosamente os pegou, saindo rapidamente de volta para o quarto e antes que pudesse chegar lá, a mesma mulher que havia entrado no quarto o entregou outra garrafa da bebida.

— Não ligue pra Gallant, ele perde a sanidade de vez em quando. Você precisa fazer ela beber isso até que os cortes tenham cicatrizado, ela é teimosa, essa daí... Mas se não beber, vai sentir muita dor. E... Parabéns, Amelie é incrível. — Ela entregou a garrafa e deu dois tapas em seu ombro, saindo logo em seguida. Keith suspirou, continuou caminhando e viu que a tripulação festejava no convés, eles haviam ganhado muito dinheiro com o ataque ao Seymour, alguns até contavam novamente a história do que tinha acontecido. Keith continuou sua jornada que parecia infinita até o quarto e ao chegar lá, Amelie estava deitada de barriga para cima gemendo de dor. Os pontos realmente doíam. Ele acendeu as velas, pois ela pedira novamente.

— Essa m-merda... Dói pra caralho. — Gaguejou entre gemidos, com a mão pressionando o local da ferida sobre a camisola.

Amelie levantou a cabeça o suficiente para conseguir beber o líquido, rapidamente ela engoliu e grunhiu, fazendo uma careta. Deitou-se novamente e deixou-se relaxar, sentindo ele passar os dedos por seu cabelo, fixou os olhos nos dele e ouviu suas palavras, sua expressão agora de raiva.

— É, esses filhos da puta não perdem a chance de espalhar coisas por aí. — Fechou os olhos sentindo sua carícia, não estava com sono e não queria dormir, apenas relaxar. Não conseguiu deixar de gargalhar ao ouvi-lo. — Casar?! — Ela riu, fixando os olhos nos dele novamente. Gargalhou, embriagada. A dor agora era muito menor. Acariciou seu rosto e achou adorável sua inocência. — Keith, meu amor... — Ainda era alienígena chamá-lo desse jeito, mas ela continuou. — Eu sou uma pirata, não posso me casar com você. — Riu ao terminar de falar, mas tossiu enquanto ria. Checou sua boca, percebeu que dessa vez não havia saído mais sangue. Suspirou de alívio.

— Não podemos nos casar. Principalmente porque... — Ela grunhiu baixo, enquanto trazia o rosto para perto o suficiente do dele. — Aquilo não foi um ato... Necessariamente consumável. Quer dizer, não fomos pra cama ainda. E Keith... — Acariciou seu rosto enquanto gargalhava novamente. — Mesmo se fosse, mesmo com a tripulação inteira sabendo do que aconteceu, não precisamos nos casar pra fazer essas coisas. Você tem muito que aprender. — Tocou seu nariz com o dedo, num tom brincalhão e deitou-se novamente, pois sabia que precisava continuar deitada.

— Você é adorável, sabia? Não podemos e não precisamos nos casar, estamos juntos agora, como um casal, é só isso. Desculpa, amor, mas eu não posso me casar com você. E agora você não pode se casar também... Somos piratas. Eu sonhava em me casar na adolescência, lembra? Mas agora isso é impossível, desculpa. Não posso me casar com você. — Sua voz agora era triste, sentia que havia ferido ele por dizer aquelas palavras, mas era a cruel verdade.

Os olhos azuis penetrantes de Amelie fitaram os de Keith enquanto ele falava. Ela notou que ele estava equivocado sobre o assunto de casamento. Levou os dedos até seu rosto e o acariciou, sorrindo, tentando acalmá-lo. Ela obedeceu, pela primeira vez na vida, o que alguém dizia, porque vinha dele e continuou deitada, evitando se mover, apenas acariciando seu rosto tentando acalmá-lo com o ato.

— Meu amor, somos fora da lei. Se formos ao conselho pedir para nos casarmos eles vão, ou prendermos ou rir na nossa cara, filhos da puta. Eu sinto muito. Piratas não podem se casar em Hahle, acho que em lugar nenhum. Não seria válido e não seria levado a sério, não podemos nos casar oficialmente, mas se você quiser, posso me considerar sua esposa, shh...  — Ela continuou acariciando seu rosto, suas bochechas rosadas, seus olhos, tentando acalmá-lo. — Se você quiser posso ser sua esposa, Keith, mas não em papel, não oficialmente. Desculpa, não dá. — Viu seu semblante de raiva, sorriu para ele, tentando ao máximo acalmá-lo com seu toque. — Eu te amo, você me ama, não é o suficiente? Podemos nos casar aqui agora, você pode dizer que sou sua esposa, eu posso dizer que você é meu marido, podemos ser casados. A tripulação pode considerar que somos casados, mas não podemos nos casar em papel. Se isso te faz se sentir melhor sobre ter relações físicas, eu farei, eu serei Amelie, a esposa de Keith Ward, eu irei contra tudo e todos para firmar esse ato, mas não... Não tem como. — Sua voz agora era firme, mas gentil, ainda tentando acalmá-lo. — E sim, piratas podem ter filhos, mas que destinos eles teriam? O mesmo que esse, sendo piratas também, ou vivendo na sarjeta. Eu não sei se você entendeu ainda a extensão do que é ser um pirata, meu amor...

Ao ouvir suas próximas palavras ela riu, tossiu novamente, mas não havia sangue na tosse. O que era bom. Puxou-o para perto o suficiente para ele beijá-la se quisesse, já que ela não podia se mover e ainda acariciando seu rosto o respondeu, com um sorriso brincalhão no rosto.

— Não se preocupe com isso, meu amor... — Segurou seu rosto com as duas mãos agora, o acariciando com ambas. — Há formas de evitar ter filhos, eu posso te ensinar quando o tempo chegar, não se preocupe com isso, sei que não quer trazer mais impuros ao mundo, vamos fazer do jeito certo. — Ela riu, achando adorável a forma que ele ficava sem jeito ao fazer aquelas perguntas.

— Existem formas de evitar, retirando seu membro rápido o suficiente antes que se consuma dentro de mim, também há uma coisa que pode colocar para que nossas partes não se toquem completamente e não precise retirar, eu vi uma prostituta usando isso uma vez, é fácil... Bom... Talvez não para alguém inexperiente, mas posso te guiar no que eu sei, o que não é muito, mas é o suficiente. Eu posso te ensinar, você não precisa se preocupar com isso. — Acariciava seu rosto, tentando trazer alguma paz para ele, sorria, um sorriso agora brincalhão, tentando fazê-lo se preocupar menos com tudo aquilo. — Quando nos deitarmos juntos, você não precisa se preocupar, eu te guio, eu te ensino, não vamos trazer mais impuros ao mundo, como você disse, você não vai me engravidar, tente relaxar quanto à isso, está tudo bem...

Queria beijá-lo, mas não sabia se ele queria, então apenas continuou acariciando seu rosto, agora com um sorriso mais gentil, passando os dedos por seus olhos, nariz, lábios, bochechas... Ele era tão lindo para ela, seu olhar seguia seus dedos e ela continuou, sussurrando para que ele se acalmasse.

Ouviu as palavras de Keith e corava quando ele lhe beijava, ele aprendia rápido, ela percebeu, e estava começando a ficar melhor naquilo, o suficiente para cada vez, ela sentir como se estivesse com os pés fora do chão.  Sorriu quando ele disse que era bom, pela primeira vez na vida se sentia feliz em fazer alguém se sentir bem e confortável.

— Não, não está. Está tudo bem, eu descansei o suficiente e me sinto melhor, bem... Melhor do que antes pelo menos. Não se preocupe comigo.  — Tocou seu nariz com o dedo num tom brincalhão, sorrindo. Seus olhos arregalaram um pouco ao ouvi-lo chamá-la de esposa. Era uma sensação tão estranha e alienígena ser chamada daquela forma. Nunca achou que iria ter alguém a chamando assim e era muito, muito, estranho. — Que coincidência, eu também não quero sair do seu lado nunca mais. Só sairemos do lado um do outro quando morrermos. — Olhou em seus olhos, com um sorriso maior. O coração quente. Ouviu seus planos sobre o dinheiro e sua expressão mudou para raiva quando ele mencionou Hamish e contou que ele nunca que lhe deu nada. — Filho da puta... Queria poder ensinar ele algumas coisas, tipo o quão afiada é minha lâmina... — Suspirou, com raiva. Sabia que Keith nutria um certo afeto estranho por Hamish, aquilo estava claro, mas não conseguia parar de sentir que precisava vingar toda a injustiça que ele passou com o velho. Era claro que Amelie estava com raiva e não era pouca. Desviou o olhar, com uma expressão de raiva no rosto. Falou entre os dentes, com a voz ríspida, firme e grossa. — É uma injustiça o que ele fez com você. Se não respeitasse sua consideração por ele, eu invadiria aquela maldita oficina e cortava seu pescoço sem não antes dizer o porquê de estar ali. Pra vingar seus maus tratos. Eu não consigo admitir que ninguém sequer olhe torto pra você e esse merda...

Parou de falar antes que falasse demais e preocupasse ou irritasse Keith. Não faria nada se ele não lhe desse permissão para o fazê-lo

— O que?! — Arregalou os olhos, agora surpresa. Um ódio queimava em seu peito. — Você não pode dar nenhum centavo pra aquele verme...! — Exclamou, inconformada. Mas quando olhou para ele, viu que não poderia continuar. Então parou por um momento, tentou ouvir com clareza suas palavras através da surpresa e da raiva.

— Podemos alugar um quarto em uma estalagem, pra dois e morar lá. Eu não sei cozinhar, sempre comi o que Gallant ou os outros cozinheiros, que morreram, cozinharam desde os meus 15 anos ou comidas servidas em bares. — Admitiu, um pouco envergonhada. — Sim, acho uma ótima ideia, você merece. Compre tudo que quiser comer, todas as roupas que quiser vestir, aproveite...

Mas quando ela ouviu-o dizer que ele iria comprar um presente pra ela, sua... esposa... Ela arregalou os olhos novamente e protestou:

— Não!! Não compra nada pra mim! Use esse dinheiro pra comprar algo pra você! — Seus olhos azuis estavam focados nos dele, numa expressão de protesto. — Por favor, eu não preciso de nada, eu tenho roupas e armas...